J. Ferreira & do Carmo

Ferreira & do Carmo (2007)

  • Artigo sobre as concepções de origem do homem segundo Wallace ao longo de sua obra, levando em consideração os efeitos causados pela sua aproximação ao espiritualismo pós 1865 e fazendo um diálogo crítico com o artigo de Kottler (1974);
  • 1858 - On the tendency of species to depart indefinitely from the original type:
    • Em seu primeiro artigo sobre o tema o homem não é tratado;
  • 1864 - The Origin of human races and the antiquity of man deduced from the theory of  'natural selection':
    • A natureza intelectual do homem o privou de sofrer os efeitos da seleção natural, pois ele passou a ser capaz de manipular o ambiente e produzir objetos que mitigassem os efeitos ambientais;
    • A partir de então a seleção não favoreceria as características físicas, mas a mentais. Pequenas alterações intelectuais e morais ocorreriam fazendo com que os beneficiados lidassem melhor com o grupo onde estavam e com as características mutáveis do meio. 
    • No entanto, Wallace não menciona qual seria o mecanismo que permitiria o intelecto superar a ação da seleção natural;
    • Kottler afirma que Wallace, neste trabalho, diz que os animais também possuem intelecto, portanto Wallace buscava um ancestral não humano para a origem do intelecto. Sob essa ótica Wallace acreditva que ambos os aspectos físicos e mentais do homem poderiam ser explicados pela seleção natural. Segundo as autoras, há trechos no texto de Wallace que contradizem Kottler;
    • As autoras concluem:
      • "[...] pode-se dizer ao menos que, nesse trabalho, Wallace não se manifestou explicitamente de maneira  esfavorável ao ponto de vista de que todos os aspectos do desenvolvimento físico, intelectual e moral do homem podiam ser explicados pela seleção natural. Não muito tempo depois, no entanto, passou a questionar abertamente a auto-suficiência da seleção natural para explicar a origem do homem." [grifos no original]

  • 1869 - Crítica sobre reedições de Principels e Elements of Geology de Lyell:
    • Wallace argumentou que a seleção natural era insuficiente pra explicar certos aspectos (principalmente físicos) presentes em humanos pré-históricos e selvagens devido a inutilidade dos mesmos. Aqui, Wallace já permite a ação de uma inteligência superior para guiar o desenvolvimento humano;

  • 1870 - Contributions to the theory of natural selection, em especial o ensaio "The limits of natural selection as applied to man":
    • Wallace repete os pontos abordados no trabalho do ano anterior;

  • 1875 - On miracles and modern spiritualism:
    • No prefácio dessa obra, Wallace fez questão de deixar claro que sua transição para as ideias espirtualistas não forma repentinas e fáceis mas sim que seu ceticismo foi pouco a pouco cedendo perante a fenômenos que, para ele, não poderiam ser explicados de outra forma;
    • Wallace atestava a favor da veracidade dos fenômenos espirituais e buscava traze-los para o domínio da ciência. Ele também endossou a explicação espiritualista para os fenômenos usando-os como um fator complementar a seleção natural. Segundo as autoras, ele "Propôs uma explicação que envolvia tanto o mecanismo de seleção natural quanto o que chamava de “hipótese espiritualista”, parecendo dar às duas explicações o mesmo status. O espiritualismo [...] seria na realidade, segundo Wallace, um 'notável suplemento para as doutrinas da ciência moderna' (Wallace, 1875, p. 109)." É notável a seriedade e sobriedade com a qual Wallace tratava o assunto;
    • Tendo em mente a discussão com o trabalho de Kottler, que será elaborada mais abaixo, as autoras sumarizam:
      • "O discurso de Wallace frisava ainda que suas suspeitas a respeito da suficiência da seleção natural como explicação para o homem não haviam sido motivadas pela sua aceitação do espiritualismo. O naturalista também procurou deixar claro que espiritualismo e seleção natural não eram incompatíveis e que continuava aceitando aquele mecanismo evolutivo. [...] Wallace, ao se referir publicamente às suas concepções evolutivas em relação ao homem, afirmou que primeiramente teria ficado insatisfeito com a capacidade da seleção natural para explicar certas características em raças humanas pré-históricas e selvagens. Segundo o naturalista, só depois de plenamente convicto da realidade dos fenômenos espiritualistas e da aceitação lenta e gradual da interpretação espiritualista desses fatos, teria reconhecido nessa doutrina a resposta para aqueles fenômenos residuais que a seleção natural não conseguia explicar. O espiritualismo viria então como solução de um problema anterior, não como causa para as suas suspeitas." [grifos no original]

  • 1889 - Darwinism
    • Neste trabalho fica, mais uma vez, claro que Wallace não desaprova a seleção natural e consequente descendencia comum dos seres vivos, e acredita que ela explica as características físicas do homem;
    • As autoras apontam:
      • É interessante notar que Wallace nada comentou a respeito de ter mudado de idéia a respeito daquelas características físicas humanas que, em 1869, havia apontado como inexplicáveis pela seleção natural. Curiosamente, nada mencionou sobre alguma característica física humana não poder ser explicada daquela maneira, embora tenha se referido a assuntos como o cérebro ao comparar homens e macacos. Parecia ter voltado atrás e reafirmado sua confiança na seleção natural como explicação para todos os aspectos físicos do homem: 'o homem, em sua estrutura corporal foi derivado dos animais inferiores, dos quais ele é o desenvolvimento culminante' (Wallace, 1890, p. 454)."
    • Kottler, a partir da primeira edição de 1889, formula uma tese geral (sem distinguir diferentes edições do mesmo livro) que Wallace havia mantido a opinião de que a seleção natural não explicava o desenvolvimento do cérebro, porém, as autoras, ao consultar a segunda edição da obra não econtraram nenhuma referência a isso, mais uma vez contradizendo Kottler.
    • As autoras não dispunham das duas edições para comparar os textos e verificar se Kottler referia-se apenas a primeira edição, então tomei a liberdade de fazer essa comparação de textos do capítulo XV da edição de 1889, obtida aqui, e da segunda edição de 1890, obtida aqui. Uma breve comparação feita no Diffchecker não mostra diferenças no texto, corroborando Ferreira & do Carmo contra Kottler;
    • Wallace manteve a opinião de que a seleção natural não explica o desenvolvimento intelectual e moral do homem. Wallace apoiava o ponto de vista de Darwin de que existiam gradações de aspectos morais e intelectuais entre os animais e o homem, mas não acrediva que a seleção natural fosse suficiente, nem o único mecanismo, para explicar o grau a que chegaram os humanos;
    • Wallace acreditava, segundo as autoras, que:
      • "Uma característica desenvolvida pela seleção natural teria como atributo estar mais ou menos presente em todos os indivíduos da mesma espécie, e de maneira razoavelmente uniforme. O mesmo não se poderia notar a respeito das qualidades intelectuais, que variariam muito de indivíduo para indivíduo."

  • As autoras analisam a correspondência da época sobre o assunto do espiritualismo. Darwin chegou a dizer:
    • "Se você não me tivesse avisado, acharia que essas idéias teriam partido de outra pessoa. Como você já esperava, discordo profundamente de suas idéias, e lamento muito por isso"
    • "Mas lamento sobre o homem – você escreve como um naturalista que passou por uma metamorfose (na direção retrógrada). Justo você, o autor do melhor artigo que já apareceu na Anthropological Review! Ai! Ai! Ai! Seu pobre amigo."
    • "Deus tenha pena de nós se acreditarmos em toda essa idiotice."
  • Algumas outras considerações sobre a discordância entre Darwin e Wallace podem ser vistas no artigo de Richards, no Cambridge Companion, comentado por mim aqui;
  • Outros autores que oposots eram Claparéde, Hooker, Bates e, principalmente, Huxley. Apoidores eram Crooke, Hare e Galton. Como apontado pelas autoras, as discussões acerca do tema elevavam os ânimos, chegando a provocar troca de farpas entre Huxley e Wallace;
  • Wallace manteve a insistência em tratar do assunto com um olhar científico e extremamente honesto, como bem sumarizado pelas autoras quando discutem o convite feito a Huxley:
    • "Em novembro de 1866, evidenciando explicitamente o receio de que Huxley ficasse chocado e o considerasse louco, Wallace o convidou para que presenciasse aqueles estranhos fenômenos. O convite deixava transparecer a preocupação em frisar que uma possível aceitação não o comprometeria publicamente: as investigações eram informais, e a expressão “somente entre amigos” era frisada. Além disso, pode-se notar que Wallace insistia em ressaltar que seu interesse era esclarecer a questão, e não simplesmente confirmar os fenômenos. Quem pudesse mostrar onde e como eles estavam sendo enganados seria bem vindo. Nota-se, assim, que a atitude de Wallace era defensiva. Demonstrava receio de ser mal interpretado e, com muito cuidado, procurava sensibilizar seus colegas de profissão para que se interessassem pelo assunto."
  • Na última sessão do artigo as autores discutem os pontos apresentados por Kottler em seu artigo de 1974. Kottler afirma que a Wallace teria primeiramente se alidado ao espiritualismo antes de nutrir dúvidas pela teoria da seleção natural e que não teria admitido isso publicamente, dentre outras questões. Como mostrado anteriormente, as evidências apoiam mais Ferreira & do Carmo enquanto descreditam Kottler;
  • Segundo as autoras "No que tange às considerações realizadas na seção anterior, deve-se ressaltar, no entanto, que não se trata de dizermos que a interpretação proposta Kottler está incorreta. Trata-se sim de sugerirmos que alguns pontos advindos dessa interpretação merecem maior reflexão, e que, além disso, outras possibilidades de interpretação não foram levadas em conta pelo autor." Aqui em meu diário de pesquisa, no entanto, permito-me ser mais categórico e considerar a visão de Kottler como incorreta;
  • Infelizmente não consegui acesso ao artigo de Kottler pelo SciHub nem pelo acesso CAFE do CNPq. Se algum dia conseguir, atualizarei esse post.

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