Os usos sociais da ciência - Bordieu


  • Livro publicado em 2004 pela Editora Unesp em parceria com o Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), baseado em uma conferência e debate organizados pelo grupo Sciences in Questions em Paris, no INRA, no ano de 1997;
  • O livro conta com um prefácio escrito por Patrick Champagne, diretor de pesquisas do INRA, que apresenta Bordieu e sua obra, principalmente aquelas que concernem a sociologia da ciência;
  • Neste livro, o autor formula a ideia de campo. O campo é definido como toda a área intermediária entre o conteúdo da obra (seja ela artística, literária, científica...) e sei contexto social, o campo é:
    • "[...] o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, literatura ou ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas."
  • Através dessa ideia o autor afirma que não devemos rotular a ciência como totalmente "pura", livre das pressões sociais, nem como "escrava", sujeita apenas às demandas sociais. A ciência se opera no campo científico que tem suas próprias demandas sociais mais ou menos independentes da demanda social exterior;
  • Bordieu estende seu conceito de capital simbólico ao campo científico. Para ele os cientistas podem acumular dois tipos distintos de capital científico (o capital por prestígio e o capital institucional) que determinam a hierarquia do agente no campo. A distribuição do capital entre os agentes determina a estrutura do campo;
  • O capital científico "consiste no reconhecimento (ou no crédito) atribuído pelo conjunto de pares-concorrentes no interior do campo científico [...]". Aquele que possui mais capital tem mais peso e mais autoridade para definir a estrutura do campo, incluindo a distribuição de capital a outros agentes;
  • Relação Agente/Campo: Bordieu fala que os nativos de um campo determinado levam vantagem sobre os "visitantes" que os possibilita a antecipar tendências de pesquisa e encontrar bons locais de publicação. Bordieu ainda afirma que os agentes não são passivos dentro do campo, mas que exercem força ou mantém ou resistem contra as forças do campo, o que Bordieu define com Habitus, portanto o campo é um objeto de luta constante;
    • "Qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta tanto em sua representação quanto em sua realidade. A diferença maior entre um campo e um jogo [...] é que o campo é um jogo no qual as regras do jogo estão elas próprias postas em jogo [...]"
  • O campo ainda pode ter níveis variáveis de autonomia e heteronomia. Quanto mais heteronomo, mais o campo permite estratégias que tragam forças não científicas para as lutas científicas e quanto mais autonomo for, mais poderá desconsiderar as forças puramente sociais (argumento de autoridade por exemplo) e fazer uso de pressões lógicas, ou seja, autonomia e objetividade são inversamente proporcionais.
  • O autor fala um pouco sobre objetividade. Para o autor, a especificidade do campo científico é o chamado "trabalho de objetivação", os acordos e desacordos entre os agentes do que é "real" através de testes de hipóteses por métodos comuns. Isso gera as construções sociais concorrentes denominadas "representações", que pretendem ser fundadas numa "realidade" capaz de impor um veredito através de mecanismos de teste.
    • "Essa 'realidade objetiva' à qual todo mundo se refere de maneira tácita ou explícita não é jamais, em definitivo, aquilo sobre o que os pesquisadores engajados no campo, num dado momento do tempo, concordam em considerar como tal, e ela só se manifesta no campo mediante representações que dela fazem aqueles que invocam sua arbitragem." 
  • Relação Economia/Ciência: 
    • "[...] o mundo da ciência, como o mundo econômico, conhece relações de força. fenômenos  de concentração do capital e do poder ou mesmo de monopólio, relações sociais de dominação que implicam uma apropriação dos meios de produção e de reprodução, conhece também lutas que, em parte, têm por móvel o controle dos meios de produção e reprodução específicos [...] é por que a economia antieconômica [...] da ordem propriamente científica permance enraizada na economia e porque mediante ela se tem acesso ao poder econômico (ou político) e às estratégias propriamente políticas que visam conquistá-lo ou conservá-lo. A atividade científica implica um custo econômico e o grau de autonomia de uma ciência depende, por sua vez, do grau de necessidade de recursos econômicos que ela exige para se concretizar [...]" 
  • O autor define dois tipos de capitais científicos:
    • Temporal (político) - Ligado a posições altas na hierarquia institucional científica, como diretor de laboratório ou membro de comissão avaliadora, garante poder sobre os meios de produção e reprodução, ou seja, é adquirido através de estratégias políticas. Esse capital segue as regras de transmissão de qualquer outro capital burocrático;
    • Prestígio (puro) - Baseado em reconhecimento dos pares de sua contribuição para o progresso da ciência. Esse capital é mais exposto a contestação e de difícil transmissão para iniciantes.
  • Segundo o autor, o "poder aquisitivo" (em minhas palavras) do capital institucional é maior do que o capital puro, ou seja, é mais valorizado como moeda de troca para adquirir o que Bordieu denomina de "poder científico".
  •  O autor faz uma análise do INRA e coloca pontos interessante, que não só eles, mas instituições científicas deveriam fazer para promover um melhor entendimento delas mesmas dentro dos campos;
  • Relação Estado/Ciência: Bordieu define como um paradoxo a fonte principal de autonomia dos campos ser o financiamento estatal, o Estado consegue manter pesquisas de longo prazo, que não visam retorno imediato e até aquelas que visam apenas o aumento do conhecimento humano, porém o mesmo Estado pode gerar heteronomia através de pressões nos órgãos que financia. A mão que dá é a mesma que tira;
  • Bordieu faz algumas considerações sobre ciência pura e ciência aplicada. O autor, mais uma vez, rejeita o maniqueísmo dizendo que a separação das duas formas de ciência é nociva e que, na verdade, ambas são válidas. A ciência pura se preocupa com a invenção enquanto a aplicada foca na inovação. Para Bordieu essas duas formas são complementares e seguem o mesmo propósito;
  • Bordieu define proposições normativas para que as instituições possam resolver seus problemas internos de distribuição de capital e, portanto, de poder científico. O autor afirma querer produzir uma Realpolitik da racionalidade dentro do campo científico;
  • O livro conta com uma transcrição das perguntas e respostas entre Bordieu e os presentes na palestra. Em um momento, ao discutir como adereçar e comunicar problemas comuns a todos os agentes do campo científico, Bordieu diz:
    • "A vida científica é extremamente dura. Os pesquisadores estão expostos a sofrer muito e eles inventam uma porção de estratégias individuais destinadas a atenuar o sofrimento."

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