Gingras, Capítulo 2

Gingras (2016)



O que a bibliometria nos ensina sobre a dinâmica das ciências
  • Gingras informa que até o surgimento do Scopus, em 2004, pela Elsevier, o SCI da ISI era o único Índex científico disponível. Acredito que hoje poderíamos contar o Scielo e o Google Scholar. Além disso, o livro está um pouco desatualizado, pois afirma que o SCI ainda faz parte da Thomsom Reuters sendo que ele foi vendido em 2016 para a Clarivative Analytics;
  • O livro possui um problema de tradução na página 41, onde o tradutor coloca o termo "diploma" no lugar de "patente". Suponho que isso seja um erro confundido do original francês e não do inglês;
  • Respondendo sobre a limitação de adição de autores no SCI impresso, Eugene Garfield disse que o Índex tinha a finalidade principal de ser um banco de dados bibliográfico e não um indicador de desempenho de cientistas. Gingras aponta que Garfield estava consciente dos custos necessários para mudar a formatação e adicionar mais autores por artigo;
  • Gingras aponta que desde o ínicio o SCI desperta o interesse sociológico e histórico, sendo que Garfield possuia apoio tanto de Merton quanto de Price e ele mesmo era interessado pela história das ciências. Henry Small, diretor da ISI após a Garfield, era historiador das ciências de formação e conduziu, em 1981, um estudo histórico e sociológico sobre a revolução da física quântica através dos dados do SCI. Como diz Gingras, o interesse histórico leva a construção de um banco de dados retrospectivo de publicações científicas;
  • As pesquisas bibliométricas passaram a descrever as propriedades das publicações científicas, como por exemplo:
    • A especificidade por campo da frequência e número de citações;
    • A relação diretamente proporcional entre o número de referências em um artigo e o número de citações que ele atingirá;
    • A tendência geral de aumento de citações por artigo como reflexo do aumento do número de pesquisadores e do número de publicações;
    • A fraca proporção de autocitações;
    • A forte relação diretamente proporcional entre o PIB e o número de publicações de um país;
    • A alta concentração das citações, artigos e financiamento para um pequeno número de pesquisadores (figura abaixo);
Retirada de Gingras (2016), p. 46


  • O autor informa que a partir dos anos 1960 começou o interesse pela produtividade científica e a consenquente associação da bibliometria com parâmetros avaliativos;
  • Os diferentes usos deste campo estão sumarizados na imagem abaixo:
Retirada de Gingras (2016), p. 47


  • Em seguida, passamos para outra seção do capítulo. O autor inicia afirmando que "em seu nível mais elementar, a bibliometria consiste em computar documentos". Nos primórdios das pesquisas bibliométricas os pouco dados que eram registrados na catalagoção da publicação já eram suficientes para entender diversos aspectos da dinâmica científica, hoje muitos dados a mais são registrados para cada publicação;
  • Já em 1935 surgiu o modelo de curva logística para a análise do crescimento do número de artigos de uma determinada área. No âmbito de pesquisa industrial foi constatado que a avaliação bibliométrica é excelente para identificar em quais campos faltam pesquisas, além de assegurar que uma mesma pesquisa não se repita duas vezes por acidente, além disso ela pode ser um mecanismo avaliativo entre os laboratórios;
  • Devido a interligação entre a atividade científica e o PIB de um país, Gingras acredita que o "desenvolvimento científico é dificilmente dissociável do desenvolvimento econômico.";
  • O autor passa detalha um pouco as diferenças bibliométricas entre os campos. Por exemplo, 75% das citações das humanidades são feitas a livros, enquanto que na economia houve um decréscimo de 55% para 35% e na química e física esse número é apenas 20%.
  • Gingras faz uma crítica ao uso dos dados bibliométricos que considerei muito importante e pertinente:
    • "Ainda que frequentemente descritivos, os dados bibliométricos são importantes porque mostram claramente que as práticas de publicação variam muito no tempo e segundo a disciplina. Consequentemente, é perigoso tentar impor um modelo único fundado na produção de artigos nas revistas especializadas. [...] Isso acaba por inverter a ordem das coisas: as práticas passam a ser adaptadas aos critérios, quando deveria ser o contrário. Em vez de ser um pesquisador que não publica, um "não-publicante" pode ser simplismente alguém que não se conforma com os critérios de publicação impostos, os quais dão preferência aos artigos das revistas recenseadas nos bancos de dados [...] O conhecimento das diferenças entre ciências sociais e humanas evidenciadas pela análise das práticas de citação é, portanto, muito útil para combater critérios de avaliação não adaptados para essas disciplinas." [Grifo no original];
  • Gingras também mostra que a tendência geral da ciência é a coletivização, que leva a internacionalização. Ele também afirma que essa tendência é anterior aos programas de internacionalização governamentais, e que ela responde a uma demanda interna da ciência;
  • O autor demonstra o método de construção de redes. Segundo ele a tendência temporal de uma rede é que a densidade aumente, ou seja, aumente o número de nós e conexões. A rede também da um suporte menos abstrado para os termos "periferia" e "centro" quando referidos a uma linha de pesquisa ou área, uma vez que na rede nós menores e com menos conexões aparecem nas extremidades do gráfico, enquanto os maiores e com mais conexões se posicionam no centro [imagem abaixo];
Retirada de Gingras (2016), p. 55

  • Gingras mostra as metodologias principais para a delimitação de elos entre os próprios artigos. Ele menciona as técnicas de acasalemento bibliográfico [bibliographic coupling], que pode ser entendida, segundo Gingras, como "se dois artigos têm em comum uma grande porção de suas referências é então provável que tratem do mesmo assunto", e a técnica de co-citações que identifica elos entre publicações citadas conjuntamente por muitos documentos posteriores. Para Gingras as duas abordagens são complementares e auxiliam da construção de subconjuntos [imagem abaixo].
Retirada de Gingras (2016), p. 57

  • Gingras conclui:
    • "A maior parte dessas representações mostra que a cadeia de relações entre as disciplinas não forma uma série hierárquica linear, como segueria a maioria das classificações das ciências, de Francis Bacon a Auguste Comte, mas que o conjunto das disciplinas forma um círculo, como Jean Piaget foi um dos raros a sugerir. São na verdade as matemáticas que permitem fechar o círculo, pondo em relação, de um lado, a física e, de outro, mediante as estatísticas, a psicologia e as ciências sociais."
  • O autor ainda diz que as pesquisas bibliométricas são as salvadoras do estudo das ciências das anedotas, vieses e argumentos de autoridade, pertubações que enfraqueçariam as tomadas de decisões da política científica;
  • Gingras dedica espaço a desmistificar certas incoerências ditas sobre a bibliometria:
    • Gingras diz que a ideia de que a maioria dos artigos nunca é citada é falsa, isto depende somente da janela temporal utilizada. O autor admite que diferentes campos tem diferentes acelerações no número de citações;
    • O fato de artigos considerados errôneos ou fradulentos sejam altamente citados antes que se descubram seus erros também não é um problema para Gingras, pois o estudo das citações expõe a história das controvérsias científicas, "ela permite assim caracterizar o modo de recepção de uma teoria sem ter de julgar se ela é boa ou não, com esse aspecto dependendo da própria comunidade científica";
    • O autor explica os artigos Sleeping Beauty [Bela Adormecida], aqueles artigos que passam anos sem citação até que a comunidade científica passe a se interessar por aquele assunto, levando a um boom de citações;
    • Gingras discorda da proposição de Peter Lawrence (2007), do artigo revolucionário que fica desapercebido por anos, até que seu potencial seja reconhecido (neste caso Lawrence está falando sobre o artigo Watson e Crick). Segundo a pesquisa de Gingras (2010): 
      • "[...] a afirmação de Lawrence é um mito que tem sua fonte num mau uso da bibliometria, consistindo em um interpretar o número absoluto de citações sem levar em conta a especificidade do período estudado e o conjunto das revistas que citavam o texto. Ora, longe de ter sido desprezado, o artigo de Watson e Crick constitui de fato o mais citado de todos os textos publicados na Nature, em 1953, até 1970 [...] Em suma, a intuição sociológica estava correta: artigos fundamentais não passam desapercebidos na comunidade científica pertinente.";
  • Gingras descreve como a fundação e adoção do SCI mudou os hábitos de citação da comunidade científica. Garfield, em 1964, já aconselhava os editores a prestarem atenção nas citações dos autores, pois dizia que isso podia evitar a refacção desnecessária de uma mesma pesquisa;
  • Kaplan diz que o fato da citação passar a ser utilizada como avaliação ou registro levou a tomada de consciência da estrutura destinada as referências. No século XVII, as citações eram inseridas no corpo do texto como um reconhecimento das descobertas de quem está sendo citado, porém, já nas décadas de 1760 e 1770 os comitês de publicações científicas já pediam citações sobre o campo pretérito ao que o trabalho discute. O uso consciente da citação como avaliação ou vigilância leva à sistematização das regras de citação;
  • Gingras faz então um apanhado e apresenta suas conclusões sobre os diversos estudos sobre a prática de citações:
    • "A maior parte deles concorda em dizer que as motivações que regem essas práticas são múltiplas e que os textos citados preenchem várias funções. Assim, remetem tanto a métodos quanto a fontes, teorias, fatos, etc. Numerosas classificações propuseram tipos de citações (afirmativa, negativa, neutra) e de razões que um autor tem para se referir, ou não, a um artigo. Resta que, do ponto de vista bibliométrico, são sobretudo as propriedades agregadas que contam. Ora, por esse ângulo, as diversas razões de citar pouco importam, pois elas variam conforme os indivíduos e se anulam de alguma forma pelo fato de que, no seio da especialidade ou da disciplina certos textos serão afinal citados mais do que outros. Para além da diversidade das práticas, a citação permanece, no nível mais geral, uma medidade visibilidade dos trabalhos citados, visibilidade global que esconde múltiplos usos, incluindo o uso "retórico", ou seja, sua função de persuasão. Pois o fato de um pesquiasor citar um artigo "clássico" para mostrar como seus trabalhos se inscrevem numa tradição legítima, que dá peso à sua própria publicação, apenas confirma que o artigo citado é importante aos olhos da comunidade científica, ao menos como garantia.";
  • Sobre autocitações ele diz:
    • "Um dos primeiros efeitos perversos que podemos imaginar é certamente o crescimento do número de autocitações [...] Em suma, a prática de autocitação não é realmente um problema, ainda mais porque tem uma função legítima: lembrar os trabalhos anteriores sobre os quais se constroem os trabalhos atuais. De fato, as motivações invocadas para citar são bastante semelhantes para a autocitação e para a citação de outros autores.";
  • O autor conclui dizendo que a crítica a autocitação ou citações perfunctórias só tem significância se a citação possuir um valor na avaliação dos pesquisadores. Essa questão será abordada no capítulo seguinte;
  • Notei neste capítulos diversos pontos que podem ser articulados com o livro de Bordieu, já discutido aqui, e o livro Ciência em Ação de Latour.

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