BOURDÉ & MARTIN, A História na Idade Média

BOURDÉ, Guy – MARTIN, Herve. As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, 1990. (pp. 13 - 43).

"Filha da desgraça, a história é também a serva do poder [...]"
  • Existem pontos de vista contrários quanto a historiografia medieval. Alguns dizem que há o rompimento do  tempo ciclico característico do pensamento Antigo, em favor do sentido linear cristão. Outros dizem que ainda há uma grande marca ciclica no pensamento medieval na forma das liturgias anuais (nascimento, morte, ressureição).
  • Os tipos de produção historiográfica medieval:
    • Hagiografia: O contar dos feitos de Deus e dos santos. Vida idealizada do santo como um modelo de vida exemplar para o cristão.
    • Anais: Relatam maquinalmente os fatos anualmente com grande foco em acontecimentos políticos e militares. Entretanto eles "trazem a marca das preocupações dos seus autores [monges]".
    • Crônica: Pretensões amplas de contar a história universal. Sistematizam os pontos presentes nos anais em uma narrativa. Utilizam-se da "dialética do castigo e da intercessão" divina.
    • Biografias e autobiografias: Seguem um "modelo cultural carolíngeo, ou seja o de um humanismo devoto impregnado de tradição latina, mas ignorando quase totalmente a contribuição do helenismo". Entretanto os autores ressaltam:
      • "A partir de então [século VI], a interpretação dos desígnios divinos passa antes a investigação das razões humanas, o arquétipo moral ou o espiritual vence o vivido não se proíbe qualquer reemprego de relatos anteiores. Os fatos passados não são um dado intangível. A história é um arsenal onde se vão buscar os fatos-provas, fatos-argumentos, que têm no discurso religioso um estatuto comparável ao das autoridades bíblicas". (p. 15)
  • Brandt defende que a história no medievo é an-histórica devido à uma sucessão cronológica de eventos isolados deprovidos de causa e efeito, contudo ligados pela vontade divina. A história não é apropriada pelos homens, eles são passivos diante das vontades divinas, sejam elas êxitos ou derrotas. Os autores sumarizam:
    • "Não passa da aplicação dos desígnios divinos sobre a humanidade. Assim, o gênero hagiográfico exerce todo o seu peso sobre o gênero histórico, com o risco de se confundir com ele". (p. 17)
    • "Os historiadores, por muito providencialistas que sejam, definem a história como um relato verdadeiro, baseado em cronologia. Em contrapartida, o hagiógrafo não é de modo algum apoiado pela cronologia: trata-se em relação a ele de dar um conjunto de fatos-provas para validar uma instituição ou legitimar um culto. Trata-se de ilustrar a exemplaridade do santo e do seu poder milagroso dando fatos permutáveis e manipuláveis. O tempo circular da liturgia exerce a sua atração sobre a hagiografia. Pelo contrário, o sentido da duração marca um pouca a história". (p. 17)
  • A partir do século XII institui-se uma visão linear mais marcante devido a visão da caminhada do povo de Deus em direção a santidade. É dito que até aqui, havia uma indiferença pelo tempo, divido entre natural e litúrgico (ambos ciclicos). Nasce aqui, a consciência da história.
  • A nova visão de história é caracterizada por
    • 1) Um foco nos atos humanos, embora ainda subordinados a Deus. O conceito de livre-arbítrio.
    • 2) A aprendizagem com o passado, com o intuito de não repetir o mesmos erros. Arrependimento do pecado em busca da salvação. Surgimento do Purgatório.
    • 3) A reflexão entre a história inacessível do passado, ainda subordinada à teleologia divina, e história escrita, ou a historiografia.
    • 4) "A elaboração de uma ferramenta conceitual para pensar o tempo histórico e fornecer uma periodização de conjunto da aventura humana."
  • Encontramos relatos de peregrinos à Terra Santa, testemunhos em julgamentos e testemunhos iconográficos. Os autores reforçam o conceito de "eterno presente" e o "domínio imperfeito do tempo passado".
  • Bossuet foi autor que manteve as ideias medievais de história até o século XVII. Os autores sumarizam:
    • "Vê-se nestas linhas que o providencialismo de Bossuet não é o reinado de uma arbitrariedade, mas o de uma ordem, que se impõe tanto ao cosmos como ao tempo. Há uma ordenação das coisas humans, querida inicialmente por Deus, que o dispensa de intervir constantemente na história. Por isso, é possível delimitar um campo da história, ou seja uma observação situada ao nível do encadeamento das causas secundárias. Bossuet sugere uma análise em três tempos das grandes mudanças: causa longínquas, razões imediatas, resultados. Para o conseguir, é preciso escapar ao fascínio do tempo breve, remontar no passado e entregar-se a um estudo dos traços distintivos dos povos dominantes e dos homens extraordinários". (p. 26)
  • Nos séculos XIV e XV salienta-se o caráter de servitude dos historiadores, com o intuito de justificar o poder e ações dos princípes que os empregam, limitando-se a historiografar os acontecimentos da corte. Primeiros indícios de separação entre o sujeito historiador e a história. 
    • "Mais do que qualquer outro, Froissart mostra-nos que a crônica da baixa Idade Média, sob a forma aparentemente ingênua do simples relato, onde o frequente uso do passado simples reforça a ilusão de um encadeamento automático dos fatos e dos gestos, pode veicular uma mensagem ideológica perfeitamente explícita. Depois do serviço de Deus, preocupação principal dos historiógrafos do século XII, impõe-se a dos senhores e dos príncipes". (p. 33)
  • Os autores dizem: "Este gesto de separar  anuncia a historiografia dos Tempos modernos. E tanto facto com a história, a partir do século XV, dá cada vez mais testemunho de aspirações coletivas e torna-se o 'veículo privilegiado do sentimento nacional'". Surge também os manuais de governo para os príncipes, como é bem mostrado por Maquiavel.
  • Mudanças de foco importantes ocorrem no final do século XV do aspecto político-militar para as intençõe excusas da guerra e da diplomacia.
  • Salienta-se o lado literário e retórico da história (tal qual no mundo Antigo) com influência do humanismo. Os autores categorizam os tipos de historiadores desta era:
    • Monge: Ligado a defesa do monsteiro a causas nacionais;
    • Historiador das cortes e das praças: Cantam os feitos dos princípes e dos santos.
    • Historiador de gabinete: Onde se desenvolvem os serviços administrativos. Dita como uma mudança de perspectiva importante para a história moderna feita por eruditos.
  • Existem "handicaps" apontados pelos autores:
    • Enfase no ouvido sobre o lido.
    • Incapacidade geral de data documentos, assim como os poucos tipos de documentos disponíveis.
    • Pouca ou nenhuma manutenção de bibliotecas.

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