Kragh, I - Aspects of the development of the history of science


  • O autor faz uma genealogia da história da historiografia da ciência da antiguidade até o início do século XX.
  • A ciência tem desde os tempos clássicos até o medievo uma tradição de se relacionar com seus antecessores. Os "cientistas" da época abriam caminho para novas ideias a partir de críticas a trabalhos mais antigos.
  • Em tempos clássicos a história era voltada para o contemporâneo e tendia a desprezar acontecimentos anteriores. Testemunhas oculares eram tidas como as melhores evidências de modo que a perspectiva da história grega era limitada a uma geração. Também era um fator a concepção de tempo cíclico ou estagnado que não favorecia o estudo da história. Outro ponto que nos impede de entender esse período é a ausência de fontes primárias, embora trabalhos de Proclus e Simplicius podem ser denominados como história da ciência (HCC) do clássico-tardio.
  • Dura os séculos 16 e 17 o termo "histórico" podia significar fatos concretos e "história" o relato dessas observações (concepção mantida em "história natural").
  • Nos séculos 16 e 17 a história já era considerada como parte integrante do conhecimento científico. A história clássica era relevante para o progresso da ciência e algumas de suas autoridades foram mobilizadas durante a revolução científica. A referência a esses nomes concedia prestígio à ciência.
  • No final do século 17 o conhecimento antigo e pagão já era desprezado em favor do moderno e cristão. Buscavam relacionar a origem da ciência com conhecimentos bíblicos. Conforme a ciência ganhou capital social, referências ao passado em busca de legitimação tornaram-se supérfluas.
  • Já no século 18, Priestley considerava a HCC como uma parte natural da própria ciência, um registro do que foi e do que pode ainda ser feito, uma ferramenta ligada ao progresso. A relação com o progresso dava uma característica Whig muito forte para os documentos produzidos na época. Em contrapartida ao uso contemporâneo de Priestley, no final do 17 a HCC também era utilizada em debates metodológicos e políticos da ciência ainda em formação.
  • Os iluministas usavam a história como meio de justificar a inferioridade do feudalismo, apenas o conhecimento moderno é valido enquanto o que veio antes não é digno de nota.
  • Leibniz advogava que o estudo da HCC era necessário para determinar a lógica da descoberta que compunha a "arte da descoberta". Embora essa ideia tenha decaído, a função exemplar da história da ciência (que o presente pode aprender com o passado) se manteve.
    • History of science in the Age of Enlightenment was marked by a naive scientific and social optimism that was not in a position to recognize science as a proper historical phenomenon. The strong points in that time's history of science lay in chronological details and surveys of the subject and not in historical reflection. The emergence of modern science was regarded as due to the inherited thirst for knowledge of the European race, a quality that could only find scientific expression in connection with the revolt against what was seen as the repressive authority of the Church. Once it had emerged, science could not be held back and would quickly achieve perfection.
  • Esse sentimento era auxiliado pela filosofia cartesiana, cuja epistemologia colocava a cognição como algo universal e ahistórico, de modo que a razão não poderia ser sujeita a história.
  • O romantismo tinha um senso histórico mais forte. A história era vista como mais relativistae o passado era julgado em seus próprios termos, sem ser inferiorizado em relação ao presente (eram diacrônicos). A Naturphilosophen advogava uma história intuitiva e especulativa sobre zeitgeist em oposição historiografia crítica e sistemática do final do período, eles não davam valor à acurácia, crítica a fontes ou responsabilidade com os fatos. Essa visão foi bem criticada.
  • A profissionalização chegou no século 19 e atraiu certa atenção mais voltada a questões técnicas.
    • The increasingly arrogant natural sciences distanced themselves from the humanities and a corresponding schism appeared between the history of science and such fields as philosophy, history of civilization and theory of history. The feeling that philosophy can learn from the history of science while the latter has nothing to learn from philosophy became widespread.
  • A atitude arrogante e positivista da ciência (considerando que seus métodos eram perfeitos e universais) levou a uma história não histórica focada no contemporâneo e no passado recente.
  • Nos séculos 18 e 19 eram comuns introduções históricas nos tratados no qual a história pregressa era sumarizada e o trabalho por vir era posicionado, mas elas revelavam mais sobre  o autor do que sobre o campo.
  • Cientisitas profissionais escreviam sobre a história do segmento no qual trabalhavam, mas não se preocupavam com o valor histórico e sim em registrar relatos especializados. Por outro lado havia trabalhos como o de Whewell:
    • To Whewell, as to his period generally, science was a purely European phenomenon owing nothing to other cultures or times. But Whewell gave no explanation as to why science should be bound up with European thought, or why it arose in the 16th and 17th centuries. His purpose was rather to develop a philosophical understanding of the sciences than to understand them in their historical context. Original historical scholarship, the study of primary sources, for example, lay outside Whewell's programme, which was based on a comprehensive but somewhat random reading of contemporary sources. Instead of merely using the history of science as a collection of examples for philosophical theses, he wished to base on or even derive from history an accurate methodology of science. He maintained that history is the only acceptable source of a philosophical knowledge of science. This view is sometimes referred to as 'historicism' as opposed to the 'logicistic' view according to which logical criteria determine the philosophy of science, while history is in principle irrelevant [...] Whewell's kind of history of science is representative of the philosophically orientated history that was taken up and developed later in the century, especially by scholars inspired by positivism.
  • Ernst Mach acreditava que o estudo da história era importante para determinar o método científico, ele estabelece um diálogo com os cientistas do passado criticando seus métodos para estabelecer sua própria metodologia e epistemologia. Já era mais anti-whig, reconhecendo os erros do passado: "We shall recognize also that not only a knowledge of the ideas that have been accepted and cultivated by subsequent teachers is necessary for the historical understanding of a science, but also that the rejected and transient thoughts of the inquirers, nay even apparently erroneous notions, may be very important and very instructive."
  • Ranke (século 19) trouxe a objetividade e autonomia para a história além do conceito de entender o passado de acordo com suas premissas ao invés das contemporâneas. Ele também estabeleceu a crítica às fontes e o sistema de referenciamento preciso. Não foi pensado para a história da ciência, mas a influenciou. Hoefer registrava todas suas citações enquanto Mach não, atitude mais comum do século 19, como visto em Gross et al.
  • Em oposição a história por disciplina havia a história sintética da ciência como um todo e sua relação com a cultura e sociedade a sua volta. Comte detalha o método dogmático como uma representação ahistórica lógica e clara utilizada para propósitos pedagógicos e filosóficos, esse método em conjunto com a histórias isoladas escritas por especialistas em seus campos não permitem a compreensão do desenvolvimento da ciência como um todo que deve ser abordada no método histórico. A relação entre os dois métodos e dialética, deve-se conhecer a sociologia e história de uma ciência ao mesmo tempo que se deve entender os dogmas (aparato teórico) da ciência para não produzir uma história cronista árida. Embora Comte visse a história da ciência como progressista e teleológica, o conhecimento do passado não era desprezado, mas sim considerado como um "mal necessário" para chegar aonde chegamos. A história da ciência era interessante apenas quando relacionada a um sistema filosófico geral enquanto os dados não tinham tanta importância.
  • A história materialista de Marx e Engels não obteve muito sucesso, pois entendia-se a ciência como algo isolado dos acontecimentos políticos e econômicos.
  • No final do século 19, alguns cientistas queria substituir os métodos das humanidades pelos seus, queria substituir a história da burguesia pela história universal progressista. Os historiadores responderam a isso e a cisão causada explica porque historiadores geralmente ignoravam a história da ciência e cultura, campos deixados para cientistas e amadores.
  • Também havia a ciência patriótica. A visão nacionalista mostrou que a ciência havia se tornado um motivo de prestígio nacional e servia no conflito liberalismo/clericalismo, com a igreja posicionada como atravanco para o desenvolvimento do conhecimento.
  • A história da medicina se formou independentemente um pouco mais cedo e mantém certas características peculiares que a separam da HCC.
  • Tannery manteve a discussão entre história sintética e particular, entretanto histórias da ciência universais escritas depois raramente tinham grande repercusão.
  • Duhem estudou a ciência medieval e mostrou que as revoluções eram na realidade evoluções preparadas por muitos anos (inclusive por pensadores medievais). Escrutinava originais e dava muita importância para a referências. Apresentou uma teoria da continuidade da ciência.
  • HCC do início do século XX deve muito a arqueologia, antropologia e filologia que propiciaram novas descobertas de textos primários de civilizações anteriores aos gregos. Também houve o reconhecimento da ciência como fator histórico importante e como ferramenta educacional.
  • O autor ainda descreve em detalhes o programa de Sarton: 1) o estudo do passado da ciência vale por si mesmo, mas é justificado pela sua relevância e contribuição para o futuro, agundo como moral para a pesquisa contemporânea, sendo aconselhável que o historiador tenha conhecimento sobre a ciência que estudo; 2) "ciência é conhecimento positivo sistematizado, ou que foi chamado assim em diferentes tempos e lugares [...] a aquisição e sistematização do conhecimento positivo são as únicas atividades humanas que são realmente acumulativas e progressivas", isso significa que o historiador não deve julgar o conhecimento do passado com a régua do presente, mas avaliar suas contribuições e determinar se eram um "passo adiante", o historiador pode assim classificar o que era ciência e o que não era; 3) internalista, estudo da ciência isolada e autônoma e dos grandes gênios que a carregam, questões externas não são importantes; 4) traz apenas bens e seu estudo eleverá cada vez mais a sociedade. O programa é óbviamente inexequível e idealista, mas Sarton foi um grande vendedor da ideia de HCC e organizou o campo como o conhecemos hoje em vários níveis.

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