Bourdieu

 

PRÓLOGO

A autonomia da ciência está regredindo frente a pressões econômicas que ameaçam extinguir os pesquisadores das ciências puras. O interesse econômico plutocrático se sobrepõe à avaliação por pares outrora frutífera. Até mesmo as ciências sociais, a primeira vista incapazes de serem comercializadas, são aliciadas como medida de legitimização.

Assim, ele visa fazer com que os cientistas entendam os mecanismos sociais que os influenciam e se tornem senhores não só da natureza, mas de sua própria prática. É avesso as tendências pós-modernas de relativização e não seguirá por esse caminho.

[Talvez Bourdieu esteja sendo um pouco ingênuo aqui. A meu ver, a ciência a serviços comerciais faz parte do desenvolvimento científico desde sempre (pense em Thomas Edison e em todos os inventos destinados à guerras, aqueles que faziam ciência completamente desinteressada eram autosuficientes financeiramente). De fato, Vannevar Bush marca em 1945 a responsabilidade do estado em financiar ciência básica.]

INTRODUÇÃO

Como pode uma prática histórica produzir verdades trans-históricas? É possível um historicismo racionalista ou um racionalismo historicista?

Não há necessidade de uma polarização entre logicismo e relativismo, o exame minuncioso da prática científica deve levar a um realismo.

CAPÍTULO 1 - A SINOPSE DA DISCUSSÃO

Tudo que é dito pelas ccs sociais sobre as outras ciências é refletido nela mesma. 

O primeiro desafio é lidar com a vasta bibliografia da ciência escolhida.

O conceito de campo permitiria a importação de conhecimentos para casos particulares, combatendo a segregação por especialização.

O aprendizado é longo, alguns assumem a ignorância como etnógrafos. Por outro lado, não é verdade que cientistas que se voltam para discutir a própria ciência fazem um trabalho melhor. A questão é: como e onde encontrar alguém altamente especializado em seu próprio segmento, mas que ainda seja dotado da capacidade de analisar sua prática sociologicamente? [alguém tão próximo assim poderia corromper a própria análise]. Isso é praticamente impossível, a solução talvez fossem coletivos que tivessem interesse em trabalhar juntos e dispusessem do tempo necessário para tal, contudo "os obstáculos ao progresso da ciência são fundamentalmente sociais" 17. 

Outro obstáculo é a dependência documental (documentos e reflexões geradas pelos cientistas) e a dependência filosófica dos cientistas (temos acesso apenas ao acumulado da filosofia ciência até aqui) que podem reproduzir narrativas inadequadas ou ultrapassadas até inconscientemente.

A última diificuldade é que a legitimidade da ciência e de seu uso está sempre em jogo socialmente e dentro da própria ciência. A epistemologia pode estar reproduzindo um discurso justificativo ou uma repetição falsamente neutra do discurso dominante da ciência sobre si mesma.

O campo dos estudos da ciência, filosofia, história, sociologia etc da ciência, tem fronteiras mal definidas e pouco reflete sobre si. É dominado pela filosofia em todas as suas faces, reavivando velhos embates filosóficos (idealismo/realismo, dogmatismo/ceticismo). Outra característica é que poucos dados empíricos são necessários, geralmente se restrigindo ao uso de textos e seus desdobramentos. Há ainda baixo nível de exigência argumentativo envolvendo difamações desleais ou mudança de opinião conforme o contexto, interlocutor ou situação [está criticando Bloor e Barnes, seus críticos ou os dois?]

A sociologia da ciência vive em cismas que atrapalham seu avanço, umas vez que cada novo paradigma quer começar do zero novamente, deixando de lado os problemas mais profundos. É difícil contar a história da sociologia da ciência, não pelo volume, mas porque a história da discipliana é obejto de embates, cada um conta a história segundo a posição em que está sendo impossível chegar a uma verdade indiscutível.

1. A tradição estuturo-funcionalista

  • Esta surgiu em contraponto a sociologia do conhecimento de Manheim. A nova sociologia surgiu em contraponto a esta.
  • Admite a contingência, universalista e "comunista" (direitos de propriedade limitados a homenagens ou prestígio, desinteresse pelo lucro e ceticismo generalizado).
  • Nesta escola mertoniana fala-se de produção e reconhecimento, produtividade, citações e significância. Uma prosopografia científica. A premiação é garantida pelo sistema de recompensas científico, sem questionamente quanto aos méritos e motivações para as premiações.
  • Há um finalismo das entidades coletivas, que alcançam seus fins "através de mecanismos sem sujeito orientados para fins favoráveis aos sujeitos, ou pleo menos, aos melhores de entre eles" 24. O sistema garante que os mais produtivos sejam levados a um caminho diferente dos menos produtivos. Há um sistema de seleção desde a idade escolar que favorece os early starters.
  • É muito objetivista, realista e logicista. Não procura entender como resolvem-se os conflitos.
  • Busca entender a ciência como profissão. "movida por uma intenção de autojustificação da sicioliga na base do consenso cognitivo" 25

Uma breve nota: quando somos jovens — é da sociologia da ciência elementar - possuímos, em igualdade de circunstâncias, menos capital e também menos competência, e por isso temos tendência, quase por definição, para nos opormos aos mais velhos, portanto para ter um olhar crítico sobre os seus trabalhos. Mas esta crítica pode ser, em parte, efeito da ignorância. No caso de Merton, eu ignorava não só o contexto dos seus primeiros escritos, tal como referi, mas também o trajecto que percorrera [...] e esta tendência para a hipercorreçao, muito comum nas pessoas de primeira geração em vias de integração e que aspiram fortemente ao reconhecimento, estava sem dúvida também na origem da sua prática científica e da sua exaltação da profissão, da sociologia que ele pretendia constituir como profissão científica. 26-7

  • A análise de merton justifica a ciência ao justificar suas desigulades e atribuir-lhe um sistema de justiça meritocrático.
  • Tenta assegurar a sociologia tornando-a uma profissão científica burocrática mas com um "corolário falsamente reflexicvo e empircamente validado que é a sociologia da ciência tratada como instrumento de sociodiceia" 27.
  • Cientometria: instrumento para políticas. Sustentam que amostragens são suficientes e fornecem dados aparentemente racionais para administradores. A falta de critério qualitativa não deixa o sistema perceber o contexto de cada citação, se é positivo ou negativo. 

2. A ciência normal e as revoluções científicas.

  • A principal contribuição de Kuhn foi ter marcado as rupturas das revoluções entremeadas por períodos de ciência normal.
  • Introduziu um descontinuismo oposto a tradição positiva de acumulação e progresso da ciência.
  • Também trouxe o conceito de comunidade científica [pq isso é influencia de durkheim?], marcada pelo paradigma que segue. Os quebra-cabeças são resolvidos dentro de cada paradigma. O reconhecimento e resolução deles requer prática, fórmulas lógicas de fazer ciência não se aplicam.
  • Kuh esboça a ideia de autonomia da ciência em relação as demandas da sociadade devido a seu mundo próprio. Escaparia, portanto, também das ciências sociais. Bourdieu diz que alta autonomia implica em um laço social que assegure a autonomia, os privilégios necessários para produzir e apreciar algo, além das condições históricas reunidas para que a autonomia pudesse existir.
  • Bourdieu classifica Kuhn como internalista da mudança, umas vez que esta depende do esgotamento do paradigma.
    • Tensão essencial de Bourdieu: as revoluções se enraizam na ciência normal, um revolucionário tem grande domínio do paradigma vigente e muito capital acumulado. [pensando que o paradigma deve ser esgotado é muito lógico que alguém trabalhando a muito tempo nele perceba os primeiros sinais de esgotamento]
  • A incomensurabilidade que impossiblita a escolha racional entre paradigmas foi cooptada pelo espiríto revolucionário da época como uma crítica as autoridades acadêmicas. A obre de Kuhn e outros passou a compor o movimento relativista que criticava Merton e outros e os acusavam de "se apoderar do monopolio da visão legitima sobre a cc social (com a sociologia da ciância como falso fim e corolário reflexivo) 33"
  • O programa forte seria surgiria na europa em edimburgo e Bath.
3. O programa teórico "forte"
  • David Bloor se apoia em Wittgenstein e propõe uma teoria na qual racionalidade, objetividade e verdade são normas sociais pouco abrangentes adotadas por cada grupo em cada contexto. Quatro princípios para essa sociologia: 1) causalidade: as explicações do sociólogo devem ser causas; 2) imparcialidade: o sociologo deve ser imparcial em relação a verdade ou falsidade dos enunciados discutidos pelos agentes; 3) simetria: os mesmos tipos de causa devem explicar as crenças julgadas falsas e as verdadeiras; 4) reflexividade: isso deve valer para a sociologia.
  • Barnes também evita a autonia da ciência. Os interesses sociais trazem comportamentos relacionados a retórica, oportunismo e outras têndencias culturais que influenciam o desenvolvimento científico, fatores sociais intra e extrateóricos.
  • Insistem na Subdeterminação da teoria pelos fatos: as teorias nunca são completamente determinadas pelos fatos que invocam e várias teorias podem reivindicar sua relação com os mesmos fatos; e na ideia de que as observações são orientadas pelas teorias.
  • Controvérsias (agora possíveis devido a indeterminação) as vezes são resolvidas irracionalmente deixando sempre alguns que apontam esse conformismo social.
  • Collins e Pinch (Bath) dão mais enfase a intereção entre os cientistas, seus pressupostos decorrentes e as polêmicas científicas e seus métodos irracionais de resolução e falam menos dos interesses e preferências. Campos opostos utilizam os mesmos procedimentos desonestos para competir. Os cientistas instalaram fronteiras arbitrárias para outras formas de conhecimento. Criticam a replicação, sua impossibilidade e o papel da regressão do experimentador. O registro desses experimetnos se preocupa mais em ser formalmente científico do que realmente descrever fielmente o que aconteceu. A convicção depende mais das circunstâncias sociais do que da verdade. Dados expermentais não bastam para assegurar a verdade, uma série de negociações sociais ocorre entre os cientistas até que decidam que uma controvérsia está resolvida. O fato é uma construção coletiva.
  • Contudo, se prende em um interacionismo que procura nas relações entre os agentes o princípio de suas ações e ignora as estruturas e as disposições que motivam as ações verdadeiramente e até as próprias interações. Não questiona as condições estruturais de produção dos pressupostos teóricos, o capital laboratorial documentado pelos mertonianos.
4. Um segredo de polichinelo bem guardado.
  • Estudos de laboratório romperam com a visão distanciada e global da ciência para se aproximar mais dos locais de produção.
  • No exemplo de Grmek e Homes vemos como os cientistas deturpam, massageiam e remexem o que realmente aconteceu quando vão apresentar os dados. Retiram a paixão e a criatividade de modo a reduzir tudo a um método científico inexequível.
  • Em Gilbert e Mulkay vemos a existência do repertório empirista utilizado na apresentação objetiva dos resultados e o repertório contingente utilizado informalmente e atesta uma intuição de pesquisa. Todos fazem um teatro no qual propõem acreditar em uma história que sabem estar fingindo, a sociologia vem para escancarar isso.
  • Bourdieu propõe que o teatro faz parte do jogo e é uma estratégia consciente do hábito cientíofico.
  • Vida de laboratório dá uma imagem ampliada de todos os defeitos da nova filosofia da ciência. Marcada por condicionalismos históricos. O laboratório é visto aqui como uma fábrica isolada onde o conhecimento é criado ou construído a revelia da verdade. Esse uso de palavras causa grande furor, mas é comum que os autores se retratem afirmando ambiguidade. Há ainda a atividade literária dos textos e suas modalizações e os embates entre esses textos. Afirmam que a ciência é privilegiada não pelos seus objetivos epistemológicos, mas pelos seus instrumentos, textos retóricos. Textismo, posição semiológica, a ciência seria uma ficção entre outras mas que consegue moldar a realidade. Essa seria uma visão ingenuamente maquiavélica da ciência.
  • Acusado de deslealdade e desinformação pelo programa forte, antes um construtivista radical, Latour volta como realista ao propor a delegação das atividades à agentes, os agentes não humanos indistinguíveis de certo modo. Bourdieu termina criticando Latour e cia de se aproveitar do intermédio entre sociologia e filosofia para produzir sem o rigor filosófico, mas ainda se chamano de filósofo (allodoxia).
[Allodoxia is a term invented by French sociologist Pierre Bourdieu. Bourdieu discusses the concept at length in his book, Distinction: A Social Critique on the Judgement of Taste. He defines the term Allodoxia as a cultural misinterpretation, misapprehension, or misidentification. The term is particularly related to the display or expression of social class. Bourdieu points to the act of mistaking light Opera for high culture or misidentifying imitation goods for the originals as examples of allodoxia, and he explains that such misinterpretations serve to further differentiate between social classes.]

B o u r d i e u R, 1975a, «La spécificité du champ scientifíque et les conditions sociales du progrés de la raison», Sociologie et Sociétés, 7 (1), pp. 91-118; também, 1976, «Le champ scientifíque», Actes de la recherche en Sciences sociales, 2-3, pp. 88-104.

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