Recepção Darwin BR - 2003

Domingues; Sá; Glick (2003)

Prefácio - Henrique Lins de Barros

  • Embate entre o paradigma fixista bíblico e novas ideias.
  • Cuvier identificava os fósseis como vida passada, mas sem ser transmutacionista. Se opunha a Lamarck
  • William Smith identifica que as camadas terrestres marcam o passado, trazendo a ideia de que terra possui uma história.
Intro - Glick
  • Darwinismo nas bibliotecas brasileiras:
    • Apesar de von Ihering não ter sido um darwinista, era muito bem informado sobre as pesquisas que lhe eram contemporâneas.6 A biblioteca do museu contém os cinco volumes da série da “Zoology of the Voyage of the Beagle”, os volumes sobre cirripedes, os quais deveriam ter sido de interesse de von Ihering, com seu, clássico treinamento morfológico, e uma tradução alemã da Origem (Stuttgart, 1876). Os principais trabalhos de Haeckel também estão lá, assim como o de Carl Gegenbaur, "Verleichende Anatomie" (Leipzig, 1870, com uma etiqueta marcada Coleção von Ihering). Esta presença é emblemática porque Gegenbaur era um anatomista comparado puramente darwiniano. 
    • O Museu Nacional no Rio de Janeiro tem a melhor coleção de darwinistas do século XIX, dentre todas as instituições da América Latina. A Instituição possui trabalhos de Haeckel em alemão, francês e inglês, e uma coleção virtualmente completa de livros de seu autor. O Museu tem também as obras completas de Thomas Huxley, principalmente em inglês, mas algumas traduções francesas. Todos os trabalhos de Darwin são encontrados em inglês e em francês (em geral as edições francesas são mais antigas do que as inglesas). Existem trabalhos geológicos também em alemão, refletindo a importância dos geólogos, no século XIX, no Brasil.7 De A Origem, existe a sexta edição inglesa (London), de 1888, três edições francesas (a vil versão lamarckiana de Royer, de 1862, e duas versões publicadas por Reinwald em 1866 e 1887) e uma em alemão (Stuttgart), de 1872. 
    • Considerando outras instituições, a biblioteca da Escola Politécnica tinha cópias do livro de Darwin, Descent and Expression of Emotions in Man and Animals, todas em francês.8 Instituto Oswaldo Cruz tem muitos dos trabalhos de Darwin em edições publicadas em inglês por Appleton em 1890. Isto não é surpresa porque Oswaldo Cruz queria que seu instituto, fundado em 1900, desempenhasse uma nova espécie de 'ciência' e o trabalho de Darwin era a base da biologia. As edições germânicas de Stuttgart de A Origem e Descendência estão presentes, como também a primeira edição de Cirripédios e Radiolários, de Haeckel (1862-1888). Fazendo parte do programa de Oswaldo Cruz, encontra-se Les Problèmes de la Biologie, de Huxley (Paris, Ballière), publicado em 1892. 
    • O Jardim Botânico também parece ser um baluarte darwinista, tomando por base sua biblioteca. Todos os volumes botânicos de Darwin estão representados, em inglês e em francês, bem corno o A Origem, em ambos os idiomas, e Descendência em inglês. Volumes de Haeckel e Huxley também estão incluídos. 
    • As Escolas de Direito foram também importantes arenas da discussão da teoria darwinista. Na Faculdade de Direito de São Paulo, existem as edições francesas do Descendent of Man (1873-1874) e da Expression of the Emotions (1874). Mas, o darwinismo chegou aos advogados principalmente através de Spencer, e esta mesma biblioteca tem vinte títulos de Spencer em francês, dois em italiano e dois em português. Entre os títulos darwinistas, a biblioteca da Escola de Direito tem também trabalhos de Huxley e Haeckel em francês (antes de 1900) e a importante série dos trabalhos de Haeckel traduzida para português de Portugal entre 1908_1919.9 Na Faculdade de Direito de Porto Alegre, existem também trabalhos de Spencer em francês e português, o Descendência e A Origem, de Darwin, ambos em francês, e trabalhos de Haeckel também em francês.
  • Havia fatores mitigantes da polarização clérico-darwinista no brasil: 1) o imperador não era de todo contrário a Darwin; 2) a elite católica foi cooptada pelo poligenismo supremacista branco; 3) simpatizantes existiam em altos cargos institucionais, Landislau Netto no Museu Nacional, Emílio Goeldi hackaeliano no Museu do Pará, von Ihering em SP era evolucionista, mas não darwinista; nas faculdades de medicina e direito na Bahia e Recife também se discutia as ideias.
  • Enquanto Darwin era monogenista, no brasil o darwinismo se trauduziu em um poligenismo que justifica o racismo científico e a eugenia.
    • Os primeiros poligenistas norte-americanos, como o anatomista Samuel George Morton, eram celebrados pelos darwinistas sociais brasileiros, como Euclides da Cunha, que admirava o trabalho pró-escravos – pro-slavery – dos estudantes de Morton, George R. Gliddon e Josiah Clark Nott. O que atraía Cunha era a ideia da origem diferenciada das raças, que fazia possível uma América autônoma, berço da espécie humana – ideia adotada pelo paleontólogo argentino Florentino Ameghino, O antropólogo inglês James Cowles Prichard afirmava que Adão era negro e que toda a espécie humana tinha se tornado progressivamente branca através de um processo semelhante – a seleção sexual –, o que foi de imediato considerado fonte de classificação evolucionista da raça humana, de preto para branco, de superior para inferior.13 O aparentemente alto nível de miscigenação no Brasil converteu o país em um grande laboratório racial, cujos técnicos eram preeminentemente cientistas germânicos de posse dos últimos métodos em craniometria. Esta rica mistura de teoria e método converteu o Brasil em uma fonte fecunda da teoria racial nos fins do XIX e início do século XX.
  • Imperialismo científico: Ihering e Müller faziam pesquisa brasileira?
    • Müller, igualmente fluente em alemão, português e inglês, certamente publicou o suficiente em periódicos brasileiros para ter impacto nesta comunidade científica. Sua relação com naturalistas brasileiros, contudo, tem ainda de ser trabalhada. Decerto, Müller poderia ser visto como o homem de Darwin no Brasil, em igual ou maior medida, do que um homem germânico no Brasil. O correspondente germânico de Virchow no Brasil; ao contrário, parecia principalmente ter-se reportado à Europa, ao invés de participar da ciência brasileira, bem como a internacional, e com Goeldi não há nenhuma dúvida: por todos os propósitos práticos, ele era rígido em suas conexões com a ciência europeia. Notícias de pesquisas recentes o alcançavam mais tarde, enquanto Müller aparentava não ter fido nenhuma dificuldade em manter relações com o front da pesquisa.
    • Temos feito distinção entre recepção atiça e passiva das ideias científicas.14 Na recepção passiva, um grupo de uma disciplina dada irá limitar-se a comentar ou disseminar uma nova ideia científica. O modo ativo, por contraste, envolverá a participação em um novo paradigma. Vendo sob essa perspectiva, Müller era um participante ativo e afiado de um novo paradigma evolucionista. Mas ele participou como um brasileiro ou como um alemão? A distinção é importante porque Müller, embora tenha trabalhado na periferia, era um verdadeiro cientista da 'metrópole'.15 Netto, com a pesquisa sobre adaptação das plantas trepadeiras, é exemplo de um 'ativo' participante brasileiro em uma nova ciência darwinista. Tal fato é significante, porque sua habilidade para alcançar o front da pesquisa científica reflete a relativa força de sua base institucional. E aí está outra interessante distinção: Fritz Müller tinha um número de bases institucionais no Brasil, mas sua participação no front de pesquisa darwinista não era predicado para dar suporte a qualquer uma delas.16 Sem a infraestrutura do Museu Nacional era duvidoso que os esforços de Netto fossem registrados. Então, deve-se concluir que os pré-requisitos individuais dos cientistas, no que diz respeito à habilidade de participar no front de pesquisa, diferem em consonância com um numeroso contingente de fatores sociais e institucionais, incluindo a habilidade de se conectar efetivamente com redes científicas, requisito internacional de comunicação. A recepção passiva e mesmo a retórica do darwinismo com nenhum efeito sobre a pesquisa biológica nacional era muito mais comum em países ibéricos nos fins do século XIX: Espanha é um caso a apontar, como foram virtualmente todos os países da América espanhola, com exceção da Argentina, México e Cuba. Brasil, dessa forma, ocupa a camada intermediária, primeiro por causa da relativa força dos seus museus de história natural e segundo por causa de sua incomparável facilidade de acesso à ciência germânica."
Fritz Müller - Papavero
  • Frtiz leu a origem na tradução de Bronn de 1860. O que Gliboff diz sobre haeckel aplica-se a ele então?
  • O Für Darwin saiu primeiro seriadamente em 1907-8 na Kosmos por Alipio de Miranda Ribeiro (sob o pseudonimo Cryptus), "cheia de erros", e depois em 1990 por Nomura como um livro.
  • Detalha as observações e resultados de Muller. Sobre io polimorfismo do Tanais:
    • A seleção darwiniana, aos olhos de Fritz Müller, explicava claramente o fato. Iniciada a variação nos machos, somente ficaram, depois do desaparecimento de outros menos aptos, dois grupos, os olfativos e os apreensores. Entre os dois grupos, seguia a luta que, segundo Müller, parecia favorecer os portadores de pinças gigantes, pois existiam mais ou menos cem destes para cada olfativo.
  • Lei biogenética fundamental;
    • No primeiro caso, a história do desenvolvimento dos descendentes concordará com a dos ancestrais somente em certa medida e depois divergirá. No segundo caso, todo o desenvolvimento dos ancestrais será recapitulado pelos descendentes e, portanto, o desenvolvimento histórico da espécie refletir-se-á em sua história embriológica.
      • A história primitiva de uma espécie será preservada tão mais perfeitamente em sua embriogênese quanto maior for a série de estados jovens que atravessa com passos proporcionais, e tão mais verdadeira quanto menos o modo de vida do jovem se afaste do dos adultos e quanto menos as peculiaridades dos estados jovens possam ser concebidas como transferidas para trás, desde os períodos tardios até os períodos prévios da sua vida, ou como adquiridos independentemente. (Müller, 1864:81)
    • Haeckel utilizou as ideias de Müller, tornando-as pedras angulares de sua embriologia evolutiva e dando-lhes uma formulação mais precisa e mais técnica, sem acrescentar nada de essencialmente novo. Ele batizou tudo isso como 'lei biogenética fundamental' (Biogenetische Grundgesetz) para distinguir das leis de Meckel-Serres e de von Baer.3
    • Agora, portanto, o 'sistema natural' classificatório oferece-nos uma imagem verdadeira das relações genealógicas dos organismos, e os grupos classificatórios menores e maiores correspondem a ramos menores e maiores da árvore filogenética. Para Haeckel, se a ontogenia é uma recapitulação da filogenia, devemos esperar encontrar no embrião uma repetição da organização do ancestral do phylon, em primeiro lugar, logo depois do ancestral da classe, depois do ancestral da ordem, da família, do gênero, aos quais pertence. Há, em consequência, um triplo paralelismo entre o sistema natural, a ontogenia e a filogenia (Haeckel, 1866).
  • Diz Russel que a lei biogenética superou a lei de Meckel-Serres e a lei de Von Baer, pois "reconhecia que a historia ancestral reconhecia que a história ancestral da espécie é responsável em parte pelo curso que toma o desenvolvimento do indivíduo; que, num certo sentido, mas nunca da maneira crua suposta por Haeckel, a Filogenia é a causa da ontogenia. Esse pensamento, de que o organismo é, antes de tudo, um ser histórico, está claro e implícito na ideia da evolução, sendo seu núcleo essencial."
  • Haeckel desenvolveu os conceitos de componentes paligenéticos (paligênese - história epitomizada) e cenogenéticos (história falseada): 1) processos ontogenéticos relacionados a forma ancestral herdáveis de importância primária para o estabelecimento de relações causais-fisiológicas; 2) processos ontogenéticos que surgem da adaptação às necessidades da vida embrionária ou larval e não são repetições da organização da forma ancestral são secundários. A anatomia comparada era ferramenta na definição dos processos pali ou cenogenéticos.
    • Na realidade, Haeckel insistiu muito mais nos casos regulares, em que aparentemente a ontogenia recapitula a filogenia, deixando quase esquecido o ponto principal defendido por Fritz Müller, de que a história do desenvolvimento dos descendentes concordará com a dos ancestrais somente em certa medida e depois divergirá.
    Evolucionismo na Museu Nacional (1876-1915) - Gualtieri
      • As concepções de seleção natural e de luta pela vida poderiam ser utilizadas pára combater, em nome das transformações pretendidas, a pretensa apatia e a incompetência dos opositores; já a lei biológica de Haeckel, transferida para o mundo social, previa que os povos, durante seu desenvolvimento, recapitulariam a história de outros povos já desenvolvidos e, na interpretação spenceriana, as organizações sociais mais simples e menos evoluídas se transformariam, seguindo os passos das sociedades mais complexas.
      • Tais convicções evolucionistas permitiam a seus adeptos ter uma visão otimista quanto à possibilidade de o Brasil superar o que consideravam atraso econômico, social e político. Bastava a eles olhar as nações mais civilizadas para compreenderem a direção a seguir. Espelhando-se na Europa, poderiam propor transformações que levassem à queda da monarquia, à extinção do trabalho escravo e à introdução do trabalho livre, dentre outras tarefas.
    • Sylvio Romero 1851-1914 e Tobias Barreto 1839-1889, ambos da escola de Recife, confirmam que os brasileiros deviam se inspirar na alemanha para uma reforma intelectual. Arthur Orlando 1858-1916 tinha uma concepção de que os povos caminhavam pra república.
    • CRUZ COSTA: 
      • tece criticas, principalmente, pela falta de originalidade; incluindo aí as obras de Tobias Barreto, considerado por Cruz Costa um filósofo não original e tampouco um pensador. “Foi, como tantos outros letrados que temos tido, Um comentador do pensamento europeu e, especialmente, do pensamento alemão”. Um dos poucos que escaparam à sua crítica foi Sylvio Romero, considerado “o precursor do esforço de interpretação do Brasil”; pois foi a partir dele, segundo Cruz Costa, que os problemas nacionais, em especial aqueles relacionados à história da cultura, ganharam a atenção de nossos intelectuais (1967: 293, 297). / Na interpretação desse autor, entretanto, o evolucionismo atendeu aos interesses da elite brasileira, que viu, principalmente na vertente do spencerismo, a “síntese filosófica que justificava a sua atitude política, social e até religiosa” (1967: 281). A “lei da diferenciação progressiva” e “a noção de aperfeiçoamento indefinido do indivíduo” corresponderam aos desejos da “nova classe de bacharéis e doutores e libertava-os, ao mesmo tempo, das crenças teológicas sem os obrigar a aderir à religião da Humanidade” (1967: 281).
    • PAIM: 
      • Paim (1975) destaca a falta de coerência entre as doutrinas assimiladas no século XIX, particularmente na década de 70. Em seu julgamento, nesse momento, houve, talvez, convergência apenas de objetivos, pois "tratava-se de combater os suportes teóricos da monarquia, entendida corno obstáculo ao progresso. Assim, apanhavam-se indiscriminadamente as ideias de Comte, Darwin, Taine, Renan e outros, constituindo o que chamou de uma espécie de ‘frente cientificista’" (1975: 14). / Contrariamente a Cruz Costa, Paim (1974) reserva a Tobias Barreto um lugar especial na formação da cultura brasileira, porque, no seu entendimento, foi esse pensador quem, pela primeira vez, trouxe, para o debate, o tema da consciência, na abordagem da pessoa humana. Nesse aspecto, julga original a contribuição de Tobias Barreto.
    • BARROS
      • Uma outra interpretação acerca do significado das ideias evolucionistas para a história social brasileira encontra-se em Barros (1986). Sua percepção sobre o sucesso de ideias cientificistas, como o positivismo e o darwinismo, entre os intelectuais da época, é a de que tais doutrinas forneceram o instrumental para compreender e explicar a realidade nacional e formular um 'programa de ação'. Os positivistas e darwinistas, para Barros, não pretendiam “construir à força uma vida e um pensamento originais”, mas sim integrar o país no movimento universal, colocando-o "ao nível do século" (1986: 167-168). Ele afirma que o papel desses intelectuais era precisamente o de 'apressar a marcha do país' para cumprir sua trajetória, já que acreditaram ser a nossa história obediente às mesmas 'leis fatais' da história universal. "Os darwinistas de matiz haeckeliana, aplicando à história a lei filogenética fundamental, crêem que, da mesma forma que o indivíduo recapitula a história da espécie, um povo há de recapitular também a história de outros povos, cujo conjunto constitui a evolução da humanidade." (Barros, 1986: 169 – Grifos do autor) / Evoluir, no Brasil do século XIX, significava, dentre outros aspectos, derrubar a monarquia, tornar livre o trabalho, privilegiar a livre concorrência, reexaminar a concepção de Estado.
    • COLLICHIO: Barros encontra eco em Collichio 1988 para quem a adoção do darwinismo é correspondente ao ideário nacional.
      • A autora constata que, para esses intelectuais, as ideias centrais de Darwin – luta pela vida, seleção natural – converteram-se em instrumentos de explicação da realidade política e social e tornaram-se o argumento considerado científico “no combate à apatia ou à incompetência em áreas específicas, como ensino, política, literatura, saúde pública, direito, economia, e à 'filosofia de vida’ do brasileiro em geral”. Serviram, igualmente, de suporte "à posição liberal republicana, porquanto a monarquia constituía o primeiro obstáculo ao 'progresso'" (1988: 18-19).
      •  Collichio mostra, além disso, que os trabalhos de Miranda Azevedo, tanto os relativos aos problemas sociais quanto os ligados à medicina, à biologia, à mineralogia e à climatologia receberam forte influência darwinista; ele era haeckeliano e esteve na vanguarda da divulgação das ideias evolucionistas, ao participar, em 1875, das célebres 'conferências populares' da Freguesia da Glória, no Rio de Janeiro.2 Ao analisar o conteúdo dessas conferências, a autora destaca inúmeras inferências, extraídas da doutrina, relativas aos problemas sociais e políticos do Brasil, mas não identifica nenhuma formulação que pudesse representar algo original relativamente ao pensamento darwinista (1988: 41). Essa constatação contribuiu para que a autora viesse a caracterizá-lo apenas como divulgador do evolucionismo. 
      • Collichio reconhece, porém, que as ideias, vulgarizadas por Miranda Azevedo, juntamente com as propagadas por Tobias Barreto e seus discípulos, invadiram o campo do direito, da literatura, do teatro e da pedagogia, “abalando fortes estruturas obsoletas” (1988: 42). Admite também que “seria insensato desprezar a contribuição do pensamento evolucionista para a elaboração de uma antropologia filosófica no Brasil do nosso século” (1988:113-114). Todavia, “do ponto de vista da história das ciências”, conclui que, apenas mais tarde, o pensamento evolucionista ganhou relevo, pois “os cientistas brasileiros só no meado do século XX despertariam para as conquistas da biologia, oferecendo relevante contribuição a essa ciência André Dreyfus, Theodor Dobzhansky e o grupo de jovens pesquisadores da Universidade de São Paulo formados por eles” (1988: 114). 
      • Entretanto, essa conclusão relativa à contribuição do evolucionismo para a ciência brasileira é precipitada, ...seu trabalho não tencionou escrever a história do darwinismo no Brasil
    • SCHWARCZ
      • Schwarcz (1995), ao tentar compreender como o argumento racial foi política e historicamente construído, mostra de que forma as ideias evolucionistas, traduzidas nas vertentes do evolucionismo cultural e do darwinismo social, foram apropriadas, de modo original, pelos intelectuais brasileiros para elaborar a teoria racial que ganhou expressão na virada do século até os anos 30.
      • A autora demonstra que essas duas vertentes do darwinismo eram incompatíveis em sua essência, pois o evolucionismo cultural era adepto do monogenismo e da visão unitária da humanidade. Nessa interpretação, as diferenças existentes entre as raças humanas seriam apenas transitórias, transformáveis, naturalmente, ao longo do tempo, ou pelo contato cultural O darwinismo social, ao contrário, partilhava do modelo poligenista e da concepção de que os homens dividiam-se em espécies diferentes. Essa vertente entendia as diferenças humanas como definitivas e irreparáveis e, desse modo, a evolução social única e geral constituiria um engano, já que, a civilização seria um estádio acessível a poucos. No entanto, argumenta a autora, "aqui se fez um uso inusitado da teoria original, na medida em que a interpretação darwinista social se combinou com a perspectiva monogenista. O modelo racial servia para explicar as diferenças e hierarquias, mas, feitos certos rearranjos teóricos, não impedia pensar na viabilidade de uma nação mestiça" (1995: 65).
      • revela a influência do darwinismo social nas atividades dos museus etnográficos e de história natural, dos institutos históricos e geográficos, das faculdades de direito e de medicina do Brasil. O Museu Nacional do Rio de Janeiro, o de São Paulo e o Goeldi do Pará, por exemplo, tinham em seus quadros, desde o final do século, cientistas reconhecidos publicamente como evolucionistas – respectivamente, João Batista de Lacerda, Hermann von Ihering e Emílio Goeldi. No mesmo período, no tocante às ciências médicas, as faculdades de medicina do Rio de Janeiro e, particularmente, da Bahia, com Nina, Rodrigues, além de terem sido centros de geração de ideias baseadas no modelo social-darwinista, que associava as doenças e as epidemias à questão racial, produziram outros conhecimentos ligados à área médica e também às ciências naturais.
    • Há vários estudos sobre F Muller
    • Museus eram orientados pelo positivismo, evolucionismo e naturalismos. Geravam polêmicas.
    • Identifica Darwinismo como:
      • o mundo material e orgânico estão em permanente transformação; os organismos vivos descendem de um mesmo ancestral comum (a origem única da vida na Terra); as espécies não são fixas e se diversificam ou desaparecem ao longo do tempo; as novas espécies surgem a partir de mudanças graduais,6 e, consequentemente, a evolução ocorre de modo gradual e não aos saltos; e a seleção natural7 é responsável pelas mudanças evolutivas. Para os trabalhos de zoologia, os referenciais do haeckelismo, em particular o recapitulacionismo, também são considerados.
    • Lembrando que
      • as diferentes ideias evolucionistas não são vistas como conhecimento pronto e rotulado, do qual o cientista lança mão, em uma ou outra de suas variantes, por conta de uma escolha unívoca. Pelo contrário, sou guiada pelo pressuposto de que os cientistas criam, desenvolvem ou incorporam conceitos e teorias em um contexto particular e sob sua influência.8 Eles não são puros “sujeitos do conhecimento”, mas são também resultados de circunstâncias, de um certo meio cultural, de seu itinerário formativo, de contatos que estabelecem com determinados grupos, partilhando com eles suas atividades.
    • MN passou por maus bucados na Ministério da Agricultura entre 143 e 1870s. Landislau Netto, funcionário desde 1866, se torna diretor em 1875 com ideias de reformar o MN com propositos pedagógicos e civilizatórios. Supervisionou a criação da Archivos onde ideias darwinistas, entre outras, eram propagadas.
    • Nos archivos:
      • Evo. do homem
        • Nas décadas de 70 e 80 do século XIX, o Museu realizou estudos que buscaram discutir questões relativas à origem do homem americano (ver Tabela 1). Os estudos arqueológicos e antropológicos, particularmente os de Antropologia física, se expandiram naqueles anos, não só no Brasil, pelo grande interesse dos cientistas em estabelecer as origens dos diferentes povos. Como ressalta Gould (1991: 111), “uma vez demonstrada a evolução, os naturalistas do século XIX devotaram-se a estabelecer os verdadeiros caminhos que ela seguira (…) procuraram reconstruir a árvore da vida”. [netto abandonou a botanica em favor da antropologia nesta época]
        • A valorização atribuída pelo Museu aos estudos relativos às origens do povo americano também deve ser compreendida, considerando-se as especificidades dá sociedade brasileira do século XIX, incitadoras das discussões que visavam a esclarecer a unidade ou não da origem dos diferentes povos, identificadas, respectivamente, pelas concepções monogenistas e poligenistas. Esses conhecimentos eram, naqueles momentos essenciais para delinear a evolução social e política de uma nação composta de um povo miscigenado e marcado, de acordo com as teorias da época, pela inferioridade racial.
      • Na área de fisio se estudou as substs tóxicas experimentalmente. Derivada em parte de Claude Bernard.
      • Na zoo e botanica houve uma abordagem descritiva evolucionista (órgãos eram investigados com base em serem adaptações) ao invés de levantar a biodiversidade nacional, que era o objetivo expresso. Netto, Müller e Pizarro explicitavam seu apoio a darwin.
        • Outros assuntos foram abordados nos trabalhos zoológicos, como distribuição de seres vivos no espaço (biogeografia), identificação/classificação genealógica, anatomia comparada, principalmente para estabelecer relações de afinidade entre espécies, e metamorfose de organismos. Esses temas de pesquisa, conforme observa Bowler (1992: 29), também foram estimulados pelas ideias relacionadas ao darwinismo biológico. Estudos sobre adaptação, biogeografia e especiação forneciam elementos para compreender os mecanismos de seleção natural; anatomia comparada e embriologia contribuíam para reconstruir a história da vida, ao verificar as semelhanças entre os organismos e, consequentemente, seu parentesco.
    • Landislau Netto
      • Em 1876, Ladislau Netto publicou na revista um trabalho sobre plantas trepadeiras e, em 1878, um resumo do curso de Botânica que ministrava no Museu. Nesses textos, aceitava alguns dos pressupostos básicos das teorias de Darwin, como o fato em si da evolução – o mundo vivo é produto de um processo permanente de transformação – e a descendência dos seres vivos a partir de ancestrais comuns,23 além de utilizar concepções como 'luta pela vida' para compreender a sobrevivência de certas formas vegetais ou o desenvolvimento de outras.
      • Em seu estudo sobre plantas trepadeiras, advogou a tese de que tais plantas foram, no passado, arbustos vigorosos, que, habitando florestas sombrias e compactas, distenderam-se, apoiando-se em outros vegetais mais altos para alcançar a luz. Essa transformação da espécie constituía, para o autor, exemplo de 'adaptação cumulativa' e 'prova da luta pela vida, entre as plantas' (AMN, 1876: 133). Ao longo do texto, Ladislau Netto foi retomando o já citado trabalho de Darwin sobre o assunto, concordando com algumas de suas conclusões e contestando outras.
      • [Em outro trabalho apoia a descendencia comum.]
      • Entretanto, é preciso ressaltar que, em ambos os trabalhos, Ladislau Netto compreendia o surgimento das variações e, por conseguinte, das adaptações como resultantes unicamente de hábitos condicionados pelas circunstâncias sob as quais os organismos vivem, tal como concebido por Lamarck.2
      • 4 O próprio Darwin não negava essa possibilidade para explicar o surgimento das modificações, mas rejeitava a exclusividade desse fator e admitia a existência de variações espontâneas devido a causas ignoradas.
      • é plausível concluir que, para Ladislau Netto, o hábito de um ser vivo modificava sua estrutura, de modo que, com o tempo, ela se tornava muito diferente da estrutura de um outro organismo que não a tivesse utilizado da mesma maneira e, à medida que as transformações ocorriam, a seleção natural atuava, selecionando, assim, as variações surgidas do esforço dos indivíduos em se adaptarem ao ambiente. Tal interpretação não inclui a ideia de Darwin (s.d.: 131), que aparece em A Origem das Espécies, segundo a qual a seleção também atua sobre variações que não resultaram da necessidade de o organismo se adaptar ao meio e, portanto, não são devidas a causas exteriores, mas originárias de causas ignoradas. Nesse particular, Ladislau Netto se aproximava de Haeckel, para quem os fatores lamarquistas eram a força geradora da variação que, apesar de ser adaptativa para o indivíduo, passaria pelo teste da seleção natural quando o organismo entrasse em competição com outras espécies. ... A mesma lógica que regia a organização do mundo vegetal e animal, no entender de Ladislau Netto, orientava a natureza humana.
      • [Para Netto, Deus era consonante e guiava o processo evolutivo].
    • Fritz Müller (naturalista viajante do museu)
      • Diferentemente do diretor do Museu, Müller trabalhava com a ideia de que as variações poderiam surgir por causas desconhecidas e, por essa razão, era mais fiel aos preceitos de Darwin. Desde seu famoso trabalho Für Darwin,26 suas convicções já estavam claras. Nesse texto, detalhou vários aspectos sobre a biologia de crustáceos. Ao estudar as diferenças entre machos e fêmeas de várias espécies,27 verificou que nos apêndices locomotores das fêmeas de algumas dessas espécies desenvolvia-se uma estrutura que facilitava o aprisionamento delas pelo macho, durante o 'ato amoroso'. Como essa estrutura estava presente em algumas poucas espécies, Müller sugeriu que ela tivesse aparecido por acaso e, por ser útil; fora selecionada.
      • Nessa mesma obra, estudando o desenvolvimento embrionário dos crustáceos superiores, verificou a presença de um determinado tipo de larva, até então considerada inexistente nesses crustáceos. Isto contribuiu para dar expressão à ideia de que o embrião, ao se desenvolver, passava pelas mesmas transformações sofridas pela espécie no correr dos tempos, generalizada por Müller como 'lei de recapitulação'. [retomada por Haeckel como lei biogenética. Alipio de Miranda Ribeiro, também no museu, foi muito influenciado por Haeckel]
      • [nos archivos] Müller realizou estudos que buscaram estabelecer o significado de estruturas, aparentemente sem função, numa tentativa de poder reconhecê-las como vestigiais e, desse modo, mostrá-las como prova de parentesco com outros organismos e, portanto, como prova de evolução desses seres. Procurou identificar estruturas análogas que, por desempenharem funções semelhantes em indivíduos de espécies diferentes, também poderiam representar prova de evolução (convergência adaptativa)32ou mais especificamente da seleção natural. 
      • Como seus trabalhos constituem a maior parte das publicações de zoologia, pois é o autor de quem foi reproduzido o maior número de artigos, suas ideias acabaram por marcar fortemente a linha editorial dos Archivos.
      • [Mayr 1982 511, diz que Muller foi um dos poucos adeptos a SN]
      • [o mimetismo mulleriano não foi da leva do archivos]
    • João Joaquim Pizarro
      • Diretor de Zoo 1871-83. "transformista radical exagerado".
      • Afã por descobrir formas transitórias após Kowalevsky demonstrar que a ascídia era um cordado. Descreveu uma larva de anfíbio e foi duramente criticado.
    • Outros
      • Nicolau Moreira parece estar afiliado as concepções de Netto
      • Ihering se mostra evolucionistas, mas sem mais.
    • Apanhado geral dos archivos
      • Esses vários artigos de zoologia e botânica, publicados na revista do Museu, no período entre 1876 e 1892, revelam que seus autores incorporaram, diferentemente, o ideário do darwinismo biológico, ao descreverem e interpretarem os fenômenos estudados. A ideia de seleção natural, combinada ou não com a presença de um Criador dirigindo o processo evolutivo, assim como compreensões variadas sobre como surgiam as adaptações nos organismos, nortearam as pesquisas publicadas, e espelham, na verdade, o ecletismo que dominou as discussões evolucionistas nas três décadas que se seguiram à publicação de A Origem das Espécies, como será discutido posteriormente. 
      • Além disso, analisado o conjunto das publicações, nessas áreas de conhecimento, ficou patente que os assuntos predominantes nas páginas da revista representaram questões significativas para o debate que vinha ocorrendo no interior das ciências naturais sacudidas pelo evolucionismo pós-Darwin. Chama a atenção o fato de que estudos aplicados, cujos conteúdos estavam voltados para questões locais, como os problemas agrícolas brasileiros, não tenham sido temas frequentes na revista do Museu. A produção de Nicolau Moreira, por exemplo, dirigida para questões práticas, citada anteriormente, não foi publicada nos Archivos, mas em periódicos especializados como Revista Agrícola ou O Auxiliador.38
      •  Essa característica parece se coadunar com o projeto editorial da revista, anunciada por Ladislau Netto, de fazer dos Archivos um meio para revelar aos 'países estranhos' o 'nosso avanço no estádio da civilização'. Isto significou fazer escolhas, privilegiando, nos conteúdos relacionados à zoologia e à botânica, assuntos sintonizados com o movimento científico que vinha dominando as ciências naturais naquele momento.
    • Em 1888  o museu foi reorganizado de acordo com o status quo priorizando antropologia, paleonto e embrio, todos próximos do darwinismo. Troca de cursos por conferencias publicas, Netto não achava os cursos proveitosos. Com a república e novas burocracias os naturalistas viajantes são demitidos.
    • Netto sai em 1893, Freire fica apenas dois anos. Lacerda fica de 1895 a 1915, em seu mandato: "é bastante nítida a orientação crescentemente voltada para atividades experimentais, representada pela instalação de laboratórios, como resposta às exigências de estudos aplicados que cresceram, sobretudo, no início do século, dirigidos para as questões de saúde e higiene da população ou mesmo as pragas agrícolas." Considerava que o museu também poderia fazer pesquisa.
    • Os archivos nessa época:
      • Alguns deslocamentos de interesse podem ser observados, quando se compara, nas Tabelas 1 e 2, a frequência de estudos em determinadas áreas nos dois períodos. Na administração Ladislau Netto, Os trabalhos de antropologia, arqueologia, geologia e fisiologia somados representavam cerca de 50% do total das publicações. Na administração Lacerda, essa cifra baixou para 18%.
      • Em parte, essa alteração pode ser justificada pela mudança de interesse do próprio Lacerda, que passou a privilegiar a bacteriologia em suas pesquisas.
      • Vários dos assuntos investigados nessa fase eram similares aos desenvolvidos por grandes Museus de História Natural europeus, não por simples coincidência, mas como parte do programa de trabalho estabelecido por Lacerda.
      • Em relação à bacteriologia, como é de amplo conhecimento, no início do século XX no Brasil, os conteúdos dessa área eram requeridos para fundamentar e implementar as propostas de modernização dos centros urbanos, que previam, entre outros aspectos, o combate às epidemias. O Museu se envolveu, ainda que timidamente, em pesquisas sobre a febre amarela, tentando identificar seu agente causador.
    • Lacerda seguia o paradigma pasteuriano de busca dos agentes etiológicos. Buscou o da febre amarela e do beriberi. Essas descobertas, falsas, eram sinal de glória. Lacerda era polimorfista que pode ser, segundo Benchimol, resultante de seu antifixismo.
      • As concepções sobre a fluidez das formas microbianas tiveram Seu auge entre 1865 e 1875, lembra Benchimol, mas mantiveram sua relevância “como objeto de pesquisa, associado às ideias darwinistas e aos estudos de hereditariedade que começaram a ganhar vulto em fins do século XIX” (1999: 195, 197). 
      • O polimorfismo, no limite, significava uma espécie de organismo se transformando em outro, já que os defensores dessa propriedade dos seres vivos admitiam que fermentos e bactérias se alternavam na forma, ou seja, certos fungos podiam aparecer como bactérias, por exemplo. O meio era determinante para favorecer o surgimento de uma ou outra forma. No caso da febre amarela, o micróbio variava sua forma, caso o meio fosse líquido (sangue) ou sólido (tecidos).
      • A raiz desse antifixismo de Lacerda no que diz respeito aos fatos biológicos parece estar na sua identificação com os preceitos teóricos de Claude Bemard, ... A interpretação do diretor do Museu, de que os micróbios da febre amarela tinham forma cambiante, dependendo do meio em que se encontraram, era perfeitamente compatível com a perspectiva de Claude Bernard de que o organismo interagia com o meio, e o tipo de interação dependia do nível de organização do ser vivo. 
      • A fisiologia bernardiana, por sua vez, na visão de Conry (1974: 370), facilitou o encaminhamento do evolucionismo na França, para a vertente lamarquista que via o organismo como um sistema integrado capaz de se autoajustar às oscilações do meio. Lacerda estava, sem dúvida, próximo dessa convicção.
      • [Sobre Darwin] “homem dotado pelo Criador de faculdades de análise e de generalização extraordinárias” ... empreendeu a mais vasta síntese, que até hoje,_ a inteligência humana conseguiu realizar: a síntese da criação no grande reino dos animais. Ele desenrolou a cadeia da sucessão das espécies, durante um lapso de tempo incalculável, preenchendo as lacunas que a ação do tempo havia nelas produzido, e assim mostrou os pontos de ligação do homem com toda a série animal. (AMN, 1909:11)
      • [Tinha uma posição um pouco ambigua sobre a origem materialista do homem. Ciência só poderia ser depreendida por experimentos]
    • Alipio de Miranda Ribeiro
      • Com clareza, Miranda Ribeiro reconhecia as contribuições do pensamento evolutivo para o desenvolvimento da ciência zoológica. Reservou, nesse mesmo texto, vários parágrafos para exemplificar, com achados das últimas décadas, de que forma, “olhando as formas vivas”, se poderia “constituir a série dos seres animados.” (1919:54) Assim, relembrou os estudos que levaram à descrição de animais intermediários ou de fósseis, ambos peças fundamentais que vinham permitindo o trabalho de reconstrução da filogenia dos grandes grupos. 
      • Sua adesão às teses recapitulacionistas de Haeckel e de Müller foi ainda reafirmada, ao declarar que 
        • a zoologia estabelecera que todos os seres vivos descendiam um dos outros, numa dicotomização constante e que a espécie variara nessa descendência transmitindo e abolindo caracteres de acordo com a função. A lógica exigia uma síntese dessa análise: e isso foi o que realizou Fritz Müller em 1864 com a publicação de Für Darwin onde fundamentou a lei ontogenética. 'O desenvolvimento dos animais é uma recapitulação abreviada da sua história evolutiva'". (Ribeiro, 1919:57)
      • [Buscava criar classificações por meio de anatomia comparada, a classificação refletia as afinidades genealógicas. Citava Haeckel e Huxley constantemente. Seus critérios de classificação, que iam contra Haeckel, renderam críticas de Mello leitão e Pinto]
      • A leitura dos trabalhos publicados por Miranda Ribeiro, no período, revela que sua perspectiva como pesquisador foi a de um morfologista e, como tal, de um estudioso da estrutura dos organismos vivos ou fósseis. No entanto, seu referencial era evolucionista, e buscou em suas investigações identificar as semelhanças subjacentes entre as espécies e estabelecer as ligações reais entre elas por meio de ancestrais comuns. Não é perceptível, em suas pesquisas, o interesse em compreender como os animais se adaptavam às mudanças em seu ambiente ou a identificação de mecanismos de dispersão geográfica. Como lembra Bowler (1996: 144), esse desinteresse marca uma importante diferença entre o morfologista e o naturalista de campo. De fato, dois importantes zoólogos do Museu Nacional, Müller e Miranda Ribeiro tiveram contribuições totalmente distintas. Enquanto, como se viu, o primeiro se empenhou em compreender o surgimento e o significado das adaptações dos seres vivos, o naturalista brasileiro foi um estudioso da forma animal, centrando seu trabalho na descrição e classificação das espécies.
    • Miranda é bem marcado pelo evolucionismo haeckeliano, Lacerda não fala muito disso, sendo mais influenciado por Claude Bernard.
    • Sobre ser Darwinista
      • Mayr (1991) avalia que as divergências decorreram do fato de que o darwinismo, nunca constituiu uma teoria monolítica, uma entidade unitária, de modo que os leitores da obra de Darwin rejeitaram as concepções que julgaram conflitantes com suas convicções e adoraram aquelas com as quais se identificavam. As ideias de que o mundo vivo não era fixos55 e de que os organismos descendiam de um ancestral comum e se transformavam continuamente foram aceitas de forma mais generalizada, pelo menos entre os biólogos56 (Coleman, 1977; Mayr, 1982, 1991; Bowler, 1996). A unanimidade, portanto, construiu-se em torno da ideia geral de evolução - inconstância das espécies e descendência com modificação. Entretanto, a compreensão sobre o processo por meio do qual ocorria a transformação não foi consensual. 
      • A ideia de seleção natural, por exemplo, foi amplamente recusada e havia mais de uma razão para rejeitá-la. Uma importante fonte de objeção vinha do fato de que ela era entendida como uma explicação materialista, isto é, natural, para a diversidade do mundo orgânico e, em princípio, prescindia da ideia de Deus. Aceitar a mutabilidade do mundo vivo, reinterpretando a Criação especial, a partir das evidências extraídas da natureza e apresentadas na Origem das Espécies, não foi tão difícil quanto eliminar o desígnio divino das transformações orgânicas e substituí-lo por um processo não teleológico, que não opera a partir de um plano prefixado, mas apenas orienta a evolução de modo a garantir a adaptação dos organismos ao meio cambiante. 
      • Dessa forma, a seleção era interpretada como um mecanismo que não dava oportunidade aos seres vivos de exercerem um papel ativo no direcionamento do curso da evolução e, tampouco, de reagir às mudanças do ambiente, já que as formas não-adaptativas seriam eliminadas.57 Nessas circunstâncias, mostrava-se, ao mesmo tempo, inconciliável com qualquer ação divina e conflitante com a visão teleológica do mundo. Com isso, noções caras ao século XIX, como progresso e aperfeiçoamento, perdiam força nas explicações sobre as transformações do mundo vivo e de sua história. Consequentemente, como assinala Mayr (1991: 94), a seleção natural foi, das formulações darwinistas, a mais rejeitada, não só pelo público leigo, mas também pelos filósofos, teólogos e os próprios biólogos. 
      • O fato de o próprio Darwin admitir, embora com pesos diferentes, tanto a seleção natural de variações espontâneas, de causas ignoradas, quanto a ideia consagrada por Lamarck de herança de variações adquiridas pelo uso ou desuso de partes do organismo, permitiu, numa primeira fase de divulgação das ideias darwinistas, urna certa flexibilidade na adesão a elas. O mecanismo lamarquista dava oportunidade aos seres vivos de exercerem um papel ativo no direcionamento do curso da evolução, em vez de eliminar as formas não adaptativas, produzidas pela variação espontânea (como na concepção darwinista). Essa visão correspondia mais perfeitamente à ideologia liberal que dominava o momento, pois não tirava do indivíduo o poder de se adaptar ao meão ambiente e a capacidade de dar respostas às exigências deste,58 Assim, os que concebiam a evolução dos organismos como um processo mais intencional privilegiavam a ideia lamarquista sem, com isso, se caracterizar, nessas primeiras décadas pós Origem, uma clara oposição a Darwin.
      • ... era sobretudo a ideia geral de evolução e não os mecanismos apresentados por Darwin que estavam sendo amplamente aceitos e era isto que contara. Para além desse fato, o próprio trabalho do naturalista inglês, como já foi apontado, também permitia essa flexibilidade nas interpretações. 
      • As ideias lamarquistas possibilitavam com mais facilidade conciliar o evolucionismo com a existência de Deus, orientando o processo de transformação. Ladislau Netto não negava a ocorrência da seleção natural, compreendendo-a, da mesma forma que Haeckel, como um processo, que permitia a manutenção dos indivíduos mais aptos, originários do esforço que realizaram para se adaptarem ao meio ambiente. Essa capacidade de aperfeiçoamento dos seres vivos, entretanto, era concedida pelo Criador59que dirigia, em última instância, todo o processo evolutivo. Tal visão já se distancia de Haeckel, que era ateu, e pode se aproximar do evolucionismo teísta dos anos iniciais de expansão das ideias de Darwin. De acordo com Bowler (1992: 7), essa tendência foi representada por dentistas, que, devido a fortes convicções religiosas, aceitavam as transformações do mundo natural, mas não abriam mão de compreendê-las como sendo dirigidas pelo desejo do Criador. 
      • Se as ideias evolucionistas de Ladislau Netto, por um lado, permitiam conciliar ciência e religião, por outro, favoreciam um posicionamento mais otimista quanto ao futuro da humanidade e, por conseguinte, da reação brasileira composta de um povo miscigenado e marcado, de acordo com as teorias da época, pela inferioridade racial. Partilhava a concepção que interpretava a espécie humana como diversificada em raças com valor adaptativo muito diferente, o que permitia hierarquizá-las...
      • [talvez haja uma questão constitutiva da cc. Ela se faz sobre o desenvolvimento das ideias dos outros, ou seja, ninguém aceita nada como pronto. Todos tentam criar algo novo ou buscar ideias, mesmo que de outrém, com melhor correspondencia]
    • No museu, não há evidência de oposição ao evolucionismo. Havia uma certa oposição entre a visão teleológica de Netto e a materialista de Müller. Para Netto, as raças humanas inferiores poderiam se aproximar dos brancos se fossem colocados em meio próprio pra isso, um papel civilizador para a educação que Netto defendia. Fritz Müller queria a substituição dos nacionais por europeus imigrantes. Müller, assim como Haeckel, era ateu, de modo que a teleologia não lhe era interessante.
    • Essa aceiação geral de darwin da lugar ao eclipse a partir de 1890. Weismann expurga Lamarck a partir da divisão dos germes, fazendo com que  a teoria perdesse flexibilidade. A pangenese era usada como prova de que Darwin era lamarquista. Para Bowler, o neodarwismo radicaliza o evolucionismo. Lacerda (motivado pela melhora das raças em meios proprícios) e outros ainda se esforçavam para mostrar pontos de convergencia entre as duas correntes. Além disso era bem religioso. Miranda Ribeiro também se identificava com o lamarquismo. Não chegou a haver um periodo neodarwista bem marcado no museu.
      • O mais difícil para esses cientistas parece ter sido aceitar a inexistência de um plano na natureza. Nessa medida, eram evolucionistas, mas se recusaram a aceitar determinadas convicções de Darwin que, efetivamente, constituíam o núcleo original de sua teoria.
    • Na Am Latina as ideias darwinistas foram arma ideologia em questões sociais.
    Controvérsias evolucionistas no Br XIX - Domingues e Sá
    • Fala de Müller de novo.
    • Roquette Pinto dirige o MN de 1926-1936.
    • A partir de 1870 já pode ser esboçada a recepção de Darwin no Br. Fica divida entre darwinismo e evolucionismo.
    • Pedro II e Quatrefages. Pedro era anti-evolucionista e ajudava Quatrefages em suas pesquisas.
      • As questões sobre a descendência dos homens foram talvez as que mais partidarismos criaram, e elas se cruzaram nas discussões com as da origem tanto do homem quanto da sociedade e acabaram por buscar explicações para diferenças raciais e culturais. No Brasil, os métodos utilizados para explicar as diferenças foram basicamente aqueles institucionalizados na França pela antropologia craniométrica e antropométrica de Paul Broca e Quatrefages; nesse sentido, foram essas teorias que repercutiram e com grande força debateram com a teoria darwinista. No Brasil, essa antropologia começou a se desenvolver a partir da segunda metade do século XIX, ainda dividida entre a velha etnografia e as novas práticas de analisar fósseis e datar a terra e a cultura social.
    • Quatrefages estudou fósseis humanos enviados por Pedro II retirados das cavernas exploradas por Lund. Lacerda e Rodrigo Peixoto, também estudando cranios, "chegaram a aproximar o homem do macaco, mas não admititram a relação de descendência". Eram poligenistas. Também estudaram sambaquis.
    • Netto era mais ambiguo. Contudo, em seus trabalhos botancios já se mostrava transformista. Falam mais sobre Netto, mas é um tanto repetitivo frente aos dados já apresentados por gualtieri. Fredrico Albuquerque o criticou pois ele não gostou dos trabalhos botanicos de Hooker e Darwin. Seus trabalhos antropológicos foram lidos por Quatrefages.
    • Miranda Azevedo
      • Miranda Azevedo já havia manifestado sua posição favorável à teoria de Darwin por ocasião de sua prova na defesa de tese na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1874. Nessa ocasião, discorreu sobre o tema: “Do Darwinismo – é aceitável o aperfeiçoamento cada vez mais completo das espécies até o homem?” -, no qual defendeu amplamente a teoria (C011ichio, 1988: 35). Desde então, passou a divulgar as ideias de Darwin e Haeckel, proferindo, no ano de 1875, nada menos do que sete conferências sobre esse tema nas Conferências da Glória: “O Darwinismo seu passado, seu presente, seu futuro” (2 vezes); “Estudo e demonstração das Leis fundamentais do darwinismo”; “Os diversos meios de reprodução do organismo”; “Sobre a fecundação dos organismos animais”; “Sistema de Darwin”; “Aplicação da doutrina evolutiva do homem” (Fonseca, 1996).
      • Encontramos em Miranda Azevedo um dos mais contundentes defensores da teoria darwinista que se valeu das conferências populares" para divulgá-la. Ele não somente defendeu o darwinismo, como também, através dessas ideias, defendeu a política republicana contra o Imperador, alegando que a causa principal dos problemas sociais era a ignorância daquela teoria pelos que legislam.
      • Miranda de Azevedo seguiu em sua exposição chamando a atenção para as consequências positivas que se poderiam adquirir na educação da mocidade e na felicidade dos povos com o estudo das leis de Darwin, evitando assim qui se ‘produzisse um país presa do despotismo e das classes privilegiadas’. Essas ideias que, como bem frisou Collichio (1988: 35), refletem os pressupostos do darwinismo haeckeliano, como transmissão hereditária dos caracteres adquiridos, deixam entrever também a questão social da ideia de aperfeiçoamento das raças. / De fato, nas teses de Miranda de Azevedo pode-se perceber as linhas gerais das ideias que viriam fundamentar o que se chamou Darwinismo Social.
    • Feliciano Pinheiro de Bittencourt também falou sobre Darwin na Glória, onde ressaltou que dizer que o homem era macaco era irrisório. Antonio Felício dos Santos (haeckliano) ressaltou as semelhanças.
    • Nas escolas do Rio e Recife, com as figuras de Romero e Barreto, publicavam-se ideias spencerianas e haecelianas. Romero, Spenceriano, queria fazer uma genealogia da sociedade brasileira, acreditava que as pop brasileira se enbraqueceria com a mestiçagem. Contuod^:
      • Para Sylvio Romero (1899:201 – Grifos do autor), no entanto, a fórmula haeckeliana - “Cada povo que se desenvolve recapitula as fases anteriores da evolução da espécie humana” - aplicada à sociedade era exagerada e não muito acertada. Ele discordava também de outra lei sociológica que dizia: 
        • Sempre que uma sociedade se desloca de uma região para outra e o grupo civilizado se põe em contato e fusão com gentes em períodos inferiores de cultura, a história volta séculos atrás e passa a recapitular sumariamente as fases passadas da história da humanidade. (1899:201 – Grifos nossos) 
      • Sylvio Romero se declarou identificado com o darwinismo poligenista e as teorias biológicas que aceitavam uma analogia entre animais e vegetais, como a de Tarde. Retomou as ideias de Spencer e a tese de Schäffe, concluindo que as 'raças', por mais estranhas que sejam, mostram um 'paralelismo analógico' nas várias fases do seu desenvolvimento, os estágios percorridos pelas civilizações de alta cultura e a reprodução da filogênese e pela ontogênese é coisa explicável, em alguns casos, pela identidade da natureza humana, fundamentalmente a mesma por toda parte. Noutros casos, pode ser explicada pela similitude dos meios geográficos em várias regiões, capazes de excitar a produção das mesmas ideias e tendências e, finalmente, por imitação e adoção de concepções alheias. Dizia ainda que um povo comparado consigo mesmo nos vários momentos de sua própria evolução pode aqui e ali passar por similitudes mais ou menos profundas, não se repetindo, mas desdobrando-se.
    • Na revista brasileira houve controvérsia entre o pithencantropu de Dubois travada entre von Ihering e Carlos Euler sobre o estatuto de elo perdido do fóssil. No jornal do comércio houve comentários sobre a descendência também.
      • Na Revista Brasileira, eram discutidos, além dos aspectos sociais do darwinismo, os seus aspectos biológicos, como o fez Carlos Euier num artigo em que falava sobre as “flores e seus hóspedes” - explicando a relação da seleção das espécies botânicas com os insetos que se alimentavam do seu pólen e ao mesmo tempo as polinizavam (Euler, 1897b). Outro trabalho era do médico Domingos Freire, discutindo o surgimento e a evolução biológica da vida num artigo intitulado “A pátria das plantas cultivadas” (Domingos Freire, 1897). Até que ponto esses trabalhos estavam fundados em experiências concretas dos seus autores, possivelmente os estudos mais aprofundados que vêm se realizando sobre o darwinismo no Brasil nos dirão.25 
      • Ao menos um estudo de fôlego pode-se citar, pois este tentou fazer uma grande síntese da natureza brasileira, apresentando a geografia climática, botânica, zoológica e geológica do Brasil. Foi o trabalho de Emmanuel Liais (1881), que teve como pano de fundo a teoria de Darwin e de Lyell.26 Liais, em seu trabalho, explicava a teoria da seleção das espécies e tocava na questão racial, cara aos brasileiros, que legalmente escravizaram os negros até 1888. Ao contra-atacar com a teoria de Darwin, contrariava os princípios da antropologia craniométrica e da arquelogia, para as quais a superioridade das culturas era medida pelo tempo da sua existência.
    • Conclusões: "no caldeirão conhecido como "darwinismo" confundiram-se as várias interpretações da idiea de evolução"... "no Brasil, a introdução e recepção do darwinismo não foi diferente de tantos outro slugartes - conviveram resistência e aceitação":
      • As diferentes posições relativas à teoria de Darwin ficaram bem evidenciadas, por exemplo, no Museu Nacional, onde conviveram as teses de Müller e de Lacerda e Peixoto. Estes últimos dialogaram e ganharam o reconhecimento de Armand de Quatrefages, presidente da Academia de Ciências de Paris, ferrenho opositor de Darwin e dos que com ele se identificavam. Haeckelianos e spencerianos, como Sylvio Romero, Tobias Barreto e outros, embora se identificassem com Darwin, também não podiam ser considerados darwinistas, pois trabalhavam com variantes da teoria da seleção natural.
    Virchow e o sambaquis brasileiros: evolucionismo antidarwinista - Faria
    • Artigo sobre as pesquisas antropológicas de Virchow utilizando fósseis e outros materiais antropológicos encontrados em sambaquis em SC. Alemães como Kreplin, Von eye coletavam e enviavam para Virchow.
    • Houve uma controvérsia se os sambaquis eram naturais e se os indígenas eram canibais.
    Fundação Rockfeller e gen. no Br (1943-1960) - Glick
    • Genética começa em 20-30, mas acelera muito com a vinda de Dobzhansky em 1943.
      • Dobzhansky, um biólogo russo que imigrou para os Estados Unidos nos anos 20, introduziu um grupo de discípulos brasileiros aos métodos da genética da Drosophila e ensinou-lhes rudimentos da biologia de população e da teoria evolucionista neodarwiniana. Esta introdução expandiu-se durante o ano sabático de Dobzhansky no Brasil, em 1948-1949, provendo jovens geneticistas brasileiros de um sólido programa de pesquisa evolucionista e um canal já pronto para a publicação dos seus resultados, dos quais Dobzhansky participava. Todo o processo se iniciou sob a égide da Fundação Rockefeller, que fornecia fundos para equipamentos, auxílios para viagens e bolsas de pós-graduação para os biólogos brasileiros. No conjunto, tal fato representa uma história de sucesso da ciência na América Latina e ilustra a intervenção criativa de uma fundação dos Estados Unidos no desenvolvimento de uma disciplina científica no estrangeiro.
    • Primórdios:
      • Todos os antigos professores de genética no Brasil eram 'autodidatas' nesse campo. Carlos Teixeira Mendes (1928, 1931), professor de agricultura em Piracicaba, foi o primeiro brasileiro a ensinar genética mendeliana. Sua tese de 1917 sobre o aperfeiçoamento das variedades agrícolas baseou-se, em parte, em De Vries, e ele começou a ensinar genética no ano seguinte. Escreveu extensivamente sobre seleção, sendo que um dos seus temas comuns foi a seleção empírica para espécies de plantas e a criação de animais, que foram entendidas em termos tipicamente lamarckianos, mas poderia na verdade ser explicada por Darwin.2 
      • Dois colegas de Teixeira Mendes também ensinaram genética em Piracicaba. Um deles, Otávio Domingues, era professor de zootecnia e, até 1930, estava atualizado nos estudos de Drosophila da escola de Morgan.3 O outro, professor de zoologia, Salvador de Toledo Piza Jr., era contrário ao conceito de 'gene' real ou concreto. Os genes, na opinião deste professor, não eram nem formados de partículas, nem capazes de automultiplicação, mas simplesmente expressões de 'plastinemes' ou filamentos de núcleos de células.4 Piza Jr. teve um papel positivo na difusão da genética e padronizou sua terminologia técnica em português.5
      • Outro autodidata, um dos que teve papel significativo na institucionalização da genética no Brasil, foi André Dreyfus, que começou ensinando genética na escola de medicina em São Paulo no final da década de 20 do último século. Ele pode ter sido o primeiro brasileiro a ter compreensão da síntese neodarwinista, pois citava Fisher em 1929, mesmo ano em que houve o Congresso de Eugenia no Rio de Janeiro, no qual ele falou que o lamarckismo devia ser abandonado, incluindo a noção favorita de que um bom ambiente teria impacto favorável sobre o perfil hereditário de uma pessoa.6 
      • A generalização da genética chegava com força em meados dos anos 30, quando o refugiado alemão Friedrich Brieger foi nomeado professor de citogenética em Piracicaba e quando Carlos Krug, formado em Cornell, tornou-se diretor do serviço de genética (fundado em 1929 com Edgar Taschdian como primeiro diretor) no Instituto Agronômico de Campinas. Krug ensinou genética até 1933, e Brieger começou em 1936. Brieger, na década seguinte, produziu uma importante série de artigos sobre evolução das orquídeas, e a pesquisa de Krug foi sobre a genética do café. No início dos anos 40, ambos publicaram importantes trabalhos sobre a síntese neodarwinista e o papel da genética no processo da evolução (Krug, 1940; Brieger, 1944).7 
      • Em 1934, Dreyfus tornou-se o primeiro professor de biologia na recém-fundada Universidade de São Paulo, onde, para começar o seu mandato, deu cursos sobre genética e evolução. Esta universidade foi uma experiência para criar uma universidade de 'estilo americano' na América Latina, pois adotou o regime administrativo de 'tempo integral' para professores e pesquisadores, desfrutando amplo suporte da Fundação Rockefeller, cuja exigência em relação à ciência na América Latina era a absoluta insistência sobre as posições de 'tempo integral' para que os cientistas não tivessem vários empregos para sobreviver. Quando, em 1941, Dreyfus chamou a atenção de um pesquisador da Rockefeller para a América Latina, tudo estava pronto para a implantação da genética moderna.
    • Harry Miller ofereceu uma bolsa a Dreyfus e disse que mandaria Dobzhansky para substitui-lo na USP. Dob gostou da ideia porque poderia estudar microevolutivamente drosophilas tropicais, teóricamente não sujeitas as mudanças sazonais das zonas temperadas. Presumia que, devido a falta de perturbações, as moscas não seriam tão variáveis geneticamente.
      • O mais flexível e eficiente meio da evolução na natureza, de acordo com a visão de Wright, acontecia quando várias espécies se subdividiam em muitas e pequenas raças locais com alguma migração, e os efeitos das seleções tanto quanto a mudança aleatória eram intermediados. A seleção seria, então, operada tanto em níveis intra quanto intergrupo (Provine, 1981: 61). 
      • Logo que Dobzhansky percebeu que microevolução podia ser mais bem estudada por comparação de raças de Drosophila, ele mesmo coletou amostras de populações naturais, recortando um grande caminho geográfico no oeste da América, da Guatemala ao Alaska.
    • TRADUÇÃO - Deu cursos em português traduzidos por Dreyfus, Pavan e Brito. Dob estudou português por 3 meses e falava bem pois o russo é foneticamente parecido com o portugues.
    • Cavalcanti, um dos discípulos de Dob., divide seu papel no Br em 3 fases:
      • 1 1943-8 - Sistemática e morfologia. Muitos brasileiros iam para Columbia.
      • 2 1948-9 - Estudo genético das populações naturais. Treinou-se pessoal de campo. O pai de Cavalcanti era Brigadeiro, possibilitando aviões.
        • Para Dobzhansky, variação e adaptabilidade eram as principais forças da evolução orgânica. Sugeriu que o meio tropical tinha mais nichos a serem ocupados (sps polimorfas para ocupar os nichos ou várias sps se adaptando para o msm nicho). Concluiu que a flexibilidade aliviava a competição. Ainda:
          • A versatilidade ecológica da espécie era correlata à variabilidade genética: “a quantidade do polimorfismo adaptativo presente na população de uma espécie de uma dada região é, em geral, proporcional à variedade de hábitats que a espécie domina”. Então, polimorfismo cromossômico era um meio “onde a espécie tornava-se capaz de ocupar e explorar eficientemente uma variedade denichos ecológicos no meio em que vive” (Cunha, Burla & Dobzhansky, 1950: 234; Dobzhansky, 1948-49: 210).
          • Na perspectiva de Dobzhansky, em 1950, o polimorfismo cromossômico ilustrava a característica-chave da evolução nos trópicos, chamada 'versatilidade adaptativa'. Um fato muito interessante que o levou a esta conclusão foi seu reconhecimento de que “a opinião dominante sobre a ausência de mudanças sazonais nos trópicos era uma falácia”. O fato de que o meio ambiente tropical estava sujeito a mudanças mostrava que a variedade de nichos ecológicos e a complexidade do processo ecológico eram mais ricos do que inicialmente ele supunha. O meio ambiente tropical trazia mais “desvios evolucionistas” do que seu equivalente temperado. As respostas dos organismos “constituem evolução progressiva” (Dobzhansky, 1950: 217).23
        • Problemas com experimentos em Angra dos Reis puseram fim a essa fase.
      • 3 pós 1950 - Pesquisas independentes de Brasileiros. Dois sucessos, segundo Glick: 1) sobrevivência da escola pós-fundador; 2) pesquisa em cooperação.
    • Rockfeller
      • Naturalmente, o patrocínio da Fundação Rockefeller para o empreendimento não foi um fator insignificante para o seu sucesso: primeiro enviando Dobzhansky; depois, apoiando qualquer membro do grupo de 1948 que se dispusesse a ficar um ano no laboratório de Dobzhansky ou com algum outro geneticista: os geneticistas humanos gravitavam em torno de James Neel, em Michigan, e contavam com a grande flexibilidade de Miller em ouvir o que os brasileiros tinham a dizer. Os geneticistas brasileiros viram mais tarde o modus operandi distinto de Miller como uma grande contribuição para o sucesso da disciplina. Os pedidos iniciais eram feitos sempre oralmente: ele visitava o laboratório, para então ter uma discussão geral com o staff sobre quais eram os materiais necessários. Algumas semanas depois de providenciar o auxílio e somente depois, pedia para apresentar uma lista específica do pedido, geralmente equipamento e reagentes (Cordeiro, 1989: 446). O papel de Miller na alocação de bolsistas para estudar fora foi também significante.
      • [Também era muito presa ao programa de Dob.]
    • Conclusão:
      • Finalmente, eu considero que havia uma relação entre a grande onda da eugenia no Brasil, neste período e o clima que afetou a recepção da genética mendeliana. Tal conexão poderia explicar parcialmente a predisposição dos futuros 'Drosophilistas' para a genética como um campo interessante e socialmente relevante,37 (37: ... como observado por Nancy Stephan, a vaga eugênica podia também ter funcionado... encorajando o mendelismo como uma forma de fugir da pseudociência envolta na eugenia) e também iluminada o clima dominante da opinião acadêmica e da burocracia governamental que apoiaria e até exigiria a" criação de centros de pesquisa especializados neste campo.
    O espetáculo da miscigenação - Schwarcz
    • País como país miscigenado. Para alguns, a miscigenação era ruim pois diluía as coisas boas de cada raça.
    • Lacerda, aquele mesmo, via no branquamento uma solução para o Br.
    • A visão geral:
      • Saudada pelos cientistas estrangeiros como fenômeno desconhecido e recente, a miscigenação transformava-se em tema polêmico entre as elites locais. De um lado, o problema racial é a linguagem pela qual se torna possível apreender as particularidades observadas. Como bem mostrou Hobsbawm (1987), nesse contexto em que discursos raciais vinculavam-se a projetos de cunho nacionalista, soava correto imaginar uma nação em termos biológicos ou estimar uma futura homogeneidade, como previa Lacerda. No entanto, a constatação de que esta era uma 'nação mestiça' gerava novos dilemas para os cientistas brasileiros. Se falar na 'raça' parecia oportuno −já que a questão referendava-se empiricamente e permitia certa naturalização de diferenças, sobretudo sociais −, o mesmo tema gerava paradoxos: implicava admitir a inexistência de futuro para uma nação de raças mistas como a nossa. Isto é, o conjunto dos modelos evolucionistas não só elogiava o progresso e a civilização como concluía que a mistura de raças heterogêneas era sempre um erro, e levava à degeneração não só do indivíduo como de toda a coletividade. 
      • Evidenciava-se a defasagem entre as teorias deterministas que chegavam de fora quando pensadas em função da "realidade mestiça de dentro e a rigidez da teoria quando o objeto em questão era a nação brasileira. A saída foi então preconizar a adoção do ideário científico; porém, sem seu corolário teórico − aceitar a ideia da diferença ontológica entre as raças sem a condenação à hibridação –, à medida que o país, a essas alturas, encontrava-se irremediavelmente miscigenado. 
      • Incômoda era a situação desses intelectuais que oscilavam entre a adoção de modelos deterministas e a verificação de que o país, pensado nesses termos, era inviável. “Devia ser difícil abrir mão da crítica externa e de uma certa internalização desse tipo de visão estrangeira a respeito do Brasil corno país aberrante”, afirma Roberto Ventura (1991: 91). Afinal, em um momento em que se redescobria a mesma nação, era como obstáculos à civilização e barreiras à identidade nacional que os grupos indígenas, americanos e mestiços eram incorporados (Queiroz, 1989: 32).
    • Teorias raciais chegam ao Brasil meio tardiamente. 1870-1930. Raça como conceito de negociação.
      • Nos museus etnográficos de Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, a ampla utilização de argumentos evolucionistas permitiu explicar cientificamente as diferenças, classificar as espécies, localizar os pontos de atraso. Partindo dos modelos das ciências naturais, esses pesquisadores buscaram uma ponte entre as espécies botânicas, zoológicas e a humanidade que pudesse prever, como pretendia Herman von Ihering, então diretor do Museu Paulista, um desenvolvimento comum: “a degenerescência presente nos tipos híbridos na zoologia pode ser com certa facilidade percebida nos grupos humanos (…) Longe dos tipos puros é com cuidado que deve ser analisada a miscigenação local” (Revista do Museu Paulista, 1987: 68). 
      • Adeptos, em sua maior parte, dos modelos poligenistas de análise – que entendiam as raças como fenômenos essenciais e ontológicos resultantes de centros de criação diversos − esses teóricos dos museus concluíram não só que"(…) a evolução encontrada na natureza era exatamente igual àquela esperada para os homens (…)", mas supunham que "(…) os grupos inferiores constituíam barreiras frente ao progresso da civilização" (Boletim do Museu Paraense, 1894: 16).
      • Cumpriam os museus etnográficos no país, portanto, um papel específico. Ao mesmo tempo que ajudaram a popularizar no exterior a imagem de que o Brasil seria um grande laboratório racial, introduziram um olhar particular. O olhar do naturalista que classifica conjuntamente a flora, a fauna e o homem em suas produções. “A perfectibilidade humana fará seu papel no Brasil, assim como a natureza não cessa de agir nas espécies vegetais e animais” (1894: 73), dizia Goeldi no Boletim do Museu Paraense, acreditando em um processo evolutivo para a desacreditada população nacional. 
      • Nos institutos históricos, por sua, vez − e em especia nos estabelecimentos carioca, paulista e pernambucano −, a entrada tardia dos modelos deterministas levou à utilização de explicações variadas: uma visão otimista, católica e patriótica paralela a uma concepção determinista e evolutiva da nação. O resultado foi um modelo que acomodou explicações de teor monogenista, que concebia a humanidade como una em sua origem e desenvolvimento, mas que não se furtou a recorrer a argumentos darwinistas sociais quando se tratava de justificar hierarquias sociais consolidadas...
    • Antagoniza as escolas de direito e medicina, "de um lado, o remédio; de outro, a lei".
      • Direto
        • Para os 'homens de direito', a responsabilidade de conduzir a nação estava vinculada à elaboração de um código unificado que tornasse homogêneas as grandes diferenças observáveis. ..../ partiam de Recife as leituras germânicas sobre as determinações das raças e a defesa − que consagrou a figura de Sylvio Romero − de uma mestiçagem 'moral' e ‘física' como recurso de unidade nacional. Já a escola paulista analisava com cautela a introdução dos modelos darwinistas sociais, com “a crítica de quem reconhece a verdade de alguns conceitos e repele os exageros desses juris consultos (…)” (Revista Acadêmia da Faculdade de Direito de São Paulo, 1906: 67). / As duas escolas, contudo, revelaram possuir projetos bastante coincidentes e harmônicos ora quando se tratava de defender a hegemonia da prática do Direito, ora quando se buscava garantir uma certa hierarquia social. Nesse caso, o argumento escorregava da cultura para a natureza, do indivíduo para o grupo, da cidadania para a raça. [negavam a imigração de negros e asiáticos]
        • Dessa maneira, enquanto na Escola de Recife um modelo claramente determinista dominava; em São Paulo, um liberalismo de fachada − cartão de visitas para questões de cunho oficial − convivia com um discurso racial prontamente acionado quando se tratava de defender hierarquias e explicar desigualdades sociais.
      • Medicina
        • universo das faculdades de medicina, onde a figura do médico e do cientista social se confundem, dando lugar à imagem do higienista e do perito criminal, ambos intelectuais de intervenção política e social. Esse contexto é marcado pela ascensão de uma nova personagem − o 'médico político' ... / enquanto no interior da Faculdade de Medicina da Bahia percebe-se uma atenção especial aos temas da medicina criminal e toda uma batalha personificada por Nina Rodrigues nesse sentido, no Rio de Janeiro já será a pesquisa e a atuação na área da higiene pública e da epidemiologia que congregarão o grosso dos esforços.
        • Partindo de uma concepção alargada de doença − da qual fariam parte não só os ‘doentes físicos’, como ‘mentais’ e ‘morais’ − insistiam os médicos higienistas em uma primazia de sua atividade perante a vontade do indivíduo e em nome dos desígnios da coletividade. O profissional médico separava-se, dessa maneira, da ingerência de outros políticos e especialistas, exigindo independência em sua atividade e autonomia no seu diagnóstico.
        • Miscigenação vista como "inferioridade como povo" ou "riqueza biológica".
        • Na Bahia adotou-se a craniometria ou frenologia de Lombroso. Darwinismo social.
      • Comparação:
        • Se para os 'homens de direito' a responsabilidade de conduzir a nação estava vinculada à elaboração de um código unificado, para os 'profissionais médicos' somente de suas mãos sairiam os diagnósticos e a cura dos grandes males que assolavam a nação. Enquanto os profissionais médicos pretendiam curar as doenças e nossas heterogeneidades, bacharéis acreditavam encontrar no direito uma prática acima das diferenças sociais e raciais observadas. 
        • Pensado nesses termos, o argumento racial continuava oportuno quando obliteradas as suas conclusões mais radicais; justificava teoricamente desde a construção de projetos políticos conservadores até a existência de hierarquias rígidas, agora cientificamente explicadas. Dessa maneira, ao adotar o jargão evolucionista e racial, essas elites letradas acabavam assumindo uma espécie de consciência do atraso, elas encontravam respaldo para redimensionar uma discussão sobre a igualdade entre os homens e, por conseguinte, sobre critérios de cidadania. 
        • O mesmo contexto que encontra em um projeto liberal a solução para a nova configuração política procura, nas teorias deterministas, subsídio para transformar diferenças sociais em barreiras biológicas fundamentais. Ante a liberdade prometida pela abolição e a igualdade oferecida pela nova constituição, parecia imperativo repensar a organização desse novo país. Como dizia um artigo de 21 de dezembro de 1920 do Correio Paulistano, “os homens não nascem iguais absolutamente, supõe-se uma igualdade presumida pela lei sem o que não haveria lei (…)”. 
        • Transformada em utopia pelos cientistas nacionais, a igualdade conseguida mediante as conquistas políticas era negada em nome da natureza e imediatamente transformada em uma ilusão (Corrêa, 1983). Era exatamente essa a tese de Nina Rodrigues...
        • No entanto, mais interessante do que nomear a batalha existente entre direito e medicina ou do que refletir sobre o impacto dessas ideias, é pensar sobre a originalidade de sua utilização. Falar da adoção das teorias raciais no Brasil implica refletir sobre um modelo que incorporou o que serviu e esqueceu o que não se ajustava. Ou melhor dizendo, procurou nessas teorias justificativas para expulsar a 'parte gangrenada' da população, sem deixar de garantir que o futuro seria branco e ocidental.
        • Fazendo uso dos instrumentos que possuíam, esses 'homens de sciencia' encontrarão uma convivência extravagante entre discurso liberal e racial. Se o primeiro constará do texto da lei, das falas Oficiais; o segundo surgirá nos romances naturalistas, nas teses científicas. De um lado, os 'homens de medicina', que viam na mistura das raças o nosso maior veneno e se responsabilizavam pelo antídoto; de. outro, os 'homens da lei', que apenas teoricamente se afastavam desse debate, pois apesar da defesa formal de um Estado liberal, na prática, havia o temor dos efeitos da Grande Guerra e da mestiçagem acelerada, e eles ponderavam (…) sobre a justeza de se agir sobre o perfil de nossa população, composta por raças tão desiguais, e talvez pouco preparadas para o exercício da cidadania" (Revista Acadêmica da Faculdade de Direito de Recife, 1919: 36).
    • Houve um debate político entre a soberania do indivíduo e sua raça. 
      • Ao mesmo tempo em que uma visão determinista gerou o fortalecimento de uma interpretação racial para a formação da nação, em contraposição, levou a um esvaziamento do debate sobre a cidadania e sobre a participação do indivíduo. Entendendo o sujeito como o resultado de seu grupo 'racio-cultural', esse tipo de teoria tendeu a negar a vontade individual perante a coerção racial e o determinismo do grupo somático de origem (Arendt, 1973). Com efeito, tais doutrinas tinham como característica a oposição não apenas ao humanismo do século XVIII como também à 'filosofia do voluntarismo', desqualificando o princípio universal da igualdade, herdeiro da Revolução Francesa. Por outro lado, como sugere Louis Dumont (1966: 320), esses dois modelos não estariam tão distantes: o racismo, como fenômeno recente, “responde sob uma forma moderna a uma função antiga”. Reintroduzido já em inícios do século XIX, na Europa, como princípio de hierarquização em sociedades desigualitárias, o dogma racial pode ser, de certa forma, entendido como um estranho fruto, uma perversão do Iluminismo humanitarista, que buscava naturalizar a desigualdade em sociedades só formalmente igualitárias.
      • Além disso, se nessas esferas institucionais é muitas vezes como um discurso culpado e cientificamente legitimado que o argumento racial de análise social aparece referido, o mesmo não pode ser dito de outro, os meios nos quais esse modelo científico determinista pode ser assumido sem qualquer receio. Nos discursos do dia-a-dia, na representação popular, nos jornais de circulação diária, é quase corriqueiro o argumento que traduz a ciência em termos populares e encara a raça como uma questão de importância fundamental nos destinos da nação. “Simplificando o que tão bem se diz nas teorias científicas, é através da raça que se determina os destinos de um povo, da nação (…)” (Correio Paulistano, 1901: 84).
      • É mais uma vez essa confusa relação entre esferas pública e privada, tema de reflexão de vários ensaístas nacionais,6 que pode ser recuperada. São dois modelos que, nesse contexto, parecem cumprir um acordo tácito, uma divisão entre locais distintos de inserção: o universo oficial, o espaço familiar. Com efeito, se essa visão racial da nação partiu dos estabelecimentos científicos, esteve sobretudo presente no domínio das relações pessoais, das vivências cotidianas, das experiências mais intimistas. Dessa maneira, se vai longe o contexto intelectual de finais do século passado; se já não é mais cientificamente legítimo falar das diferenças raciais a partir dos modelos darwinistas sociais, a raça permanece, porém, como tema central no pensamento social brasileiro. 
      • Por vezes, é a visão otimista freyriana (Freyre, 1930) que prevalece, transformando o país em uma grande imagem de convivência racial pacífica e idílica, É de novo a raça que aparece em expressões como 'esse é um sujeito de raça'; 'você vale quanto vale a sua raça'; 'vai na raça'; entre tantas outras que falam de uma certa identidade nacional ainda pautada por uma coloração singular. A raça continua, também, presente em sua asserção mais negativa, que busca vincular aspectos exteriores a certas deformações morais, É esse o discurso policial, a fala que preconceitua no cotidiano da violência.
    Positivismo brasileiro e darwinismo: o grupo ideia nova em Desterro.- Glick
    • Coloca um positivismo comteano e spenceriano.
      • José Veríssimo e Silvio Romero estavam certos quando disseram que o movimento intelectual brasileiro começou em 1873 com a confluência de políticos republicanos e a substituição do positivismo comteano pelo darwinismo, specerismo e monismo germânico, isto é, darwinismo como interpretado por Ernest Haeckel (Lopes, 1997).
    • O grupo ideia nova era liderado pelo médico liberal Francisco Gama Rosa. Foi aluno de Müller.
      • Gama Rosa resume suas ideias sobre evolução no seu livro, Biologia e Sociologia do Casamento (Cruz e Souza, 1995), no qual ele cita Darwin e Spencer.5 Gama Rosa liderou um revival intelectual em Desterro; seu círculo incluía vários integrantes do grupo Ideia Nova: Virgílio Várzea (1863-1941), João Cruz e Sousa (1861-1898), Manuel dos Santos Lostada (18601923), Oscar Rosas (1862-1925) e Eduardo Nunez Pires (1854-1950), todos de Desterro.
    • Eram spencerianos, não Comteanos. Sobre os nomes arrolados:
      • Entre escritores cientistas, Darwin e Spencer eram, naturalmente, obrigatórios; Hartmann e Taine, figuras francesas representativas, eram ordenados na mesma linha. Eduard Hartmann tentou efetivar uma reconciliação entre ciência natural e teologia e foi assim lido pelos positivistas em todos os países católicos. Hippolyte Taine – ‘o maior sacerdote do determinismo e do materialismo’ - trouxe perspectivas evolucionistas para impô-las sobre a crítica literária, embora ele fosse influenciado mais por Geoffroy Saint-Hilaire do que por Darwin.9 O único conhecimento de autores ingleses acessível ao grupo Ideia Nova veio através de traduções francesas,10
    • Cruz e Souza
      • Cruz e Sousa estava numa posição pouco invejável, pois tinha de confrontar sua inferioridade social como negro que era, mesmo aceitando as insinuações darwinistas de sua proximidade racial com seus ancestrais simiescos: “Tu vens exata e diretamente do Darwin”, ele se divertia parado diante de um espelho, “da forma ancestral comum dos seres organizados: eu te vejo bem as saliências cranianas do Orango, o gesto lascivo, o ar animal e rapace do símio” (Cruz e Sousa, 1995: 473). No livro Descent of Man (1981), Darwin detalhou similaridades entre o homem e os macacos, o orangotango em particular. Quando jovem, Cruz e Sousa aguentou provocações dos seus companheiros, que chamavam seu pai de “o elo perdido” (Haberly, 1983: 102). 
      • Alguns dos melhores comentários do positivismo de Ideia Nova provêm de Cruz e Sousa, numa revisão ao livro de Gama Rosa sobre a biologia e a sociologia do casamento.16 Ele começava por comparar o autor com Spencer: "Entre as obras de Herbert Spencer e as produções do ilustre dr. Gama Rosa encontramos o mesmo tom de conjunto, os mesmos traços gerais, os mesmos golpes de observação e de crítica científica, a mesma serenidade idealizadora". Gama Rosa, com efeito, capturou o “caráter pacificamente frio e pensador da raça anglo-saxônica” (1995: 760). Ele descreve a família corno um organismo que necessita permitir-se desenvolver para lidar, com sucesso, com os problemas colocados pela vida moderna. Para ambos há bases biológicas e sociais para o casamento civil com previsão para o divórcio. Cruz e Sousa ponderava para invocar o volume de Spencer sobre educação física e intelectual17 como a base para a introdução da filosofia aplicada na educação brasileira. O que Gama Rosa fez, continua o revisor, foi aplicar os princípios do darwinismo com o fim de mostrar que as práticas do casamento católico estavam em descompasso com a seleção natural, ou seja, uma sociedade corrupta introduziu uma espécie de Seleção artificial em que as classes privilegiadas distorciam as leis da natureza para sua própria vantagem.18

    Comentários

    Postagens mais visitadas deste blog

    O Evolucionista Voador - Costa

    Brown Sequard

    TS - Jia Ye (2021)