Cid 2004; Cid e Waizbort, 2009; Waizbort, 2012

O aperfeiçoamento do homem por meio da seleção: Miranda Azevedo e a divulgação do darwinismo, no Brasil, na década de 1870

INTRO

  • Muitos lugares, muitos darwinismos. 13
  • Década de 1870 marco da recepção.
  • Darwinismo lido de várias maneirais enquanto parte de um movimento mundial.
  • Ritvo: alemanha primeiro a acolher o darwinismo em 1862 principalmente por Haeckel que Krause afirmava ser um pararaio para Darwin. O sucesso:. 14
    • se deveu a uma longa trajetória filosófica de conotações evolucionistas com os escritos de Goethe (1794 – 1832), Oken (1779 – 1851), Schelling (1775 – 1854) , Hegel (1770 – 1831), Liebniz (1646 – 1716), entre outros, os quais apresentavam cunho explicitamente teleológico. A esta tradição filosófica uniu-se a corrente materialista da Biologia, que teve em Haeckel um de seus maiores expoentes, na época de Darwin. 14 
  • Na América
    • Pruna e Gonzales afirmam que a associação das concepções de Darwin com o spencerismo e o hegelismo, originou, nos Estados Unidos, uma grande variedade de critérios, mesmo na própria concepção biológica de evolução (Pruna et al., 1989: 18). 
    •  Em países de língua hispânica como México, Argentina, Cuba e a própria Espanha, o darwinismo foi recebido em momentos de lutas sociais e crises políticas e econômicas, durante as décadas de 70 e 80. Em cada lugar, contextos culturais, econômicos, políticos e intelectuais permitiram a associação das idéias de Darwin com outras correntes biológicas ou filosóficas cujo resultado foi produzir novos sentidos para a teoria. Pruna e Gonzales observam que nesses países as influências de Herbert Spencer (1820 – 1903), Ernst Haeckel, Auguste Comte (1798 – 1857), além de Immanuel Kant (1724 – 1804) e Friedrich Hegel se fizeram notar nas interpretações do darwinismo. 15
  • Na frança houve maior resistência devido a Cuvier, Comte, Claude Bernard, Pasteur, Lamarck e Littré. Positivismo abominava a metafísica que associavam a Darwin. [como isso virou no Br?]
  • Trad: 
    • Além disso, as tendências socialistas e anarquistas da tradutora da obra de Darwin para o francês, Clemence Royer (1830 – 1902), incluindo um prefácio com sua própria interpretação, não teriam favorecido a recepção da teoria naquele país. Darwin contou com poucos adeptos na França onde o evolucionismo lamarckista ressurgiria com força, em pouco tempo (Pruna et al., 1989:19-20). 16
  • Brasil influenciado por Comte, Spence, Haeckel e Darwin. 16
  • Haeckel é contrario ao darwinismo darwiniano pois CD seria supostamente o contrário disso ao apoiar a teleologia e a herança dos caracteres adquiridos excessiva [n sei se concordo] 17
  • Hull coloca o darwinismo como entidade histórica comparável a um espécie biológica.
    • Isso porque as teorias científicas evoluiriam, segundo Hull, como as espécies biológicas e, portanto, elas apresentariam variações ao longo de sua história. As características biológicas de uma certa espécie podem ser distribuídas universalmente nas populações, embora estas sejam passíveis de variar no tempo e no espaço. Assim também, as hipóteses, idéias ou conceitos compartilhados por comunidades científicas podem, e geralmente são, modificados ou substituídos por outros com o passar do tempo (Hull, 1985: 776). 18-9 
    • [Torna a falar disso em 56-7]
  • Não existe darwinismo essencial. As variações permitem interpretações contraditórias que continuam no mesmo rótulo. Apenas a origem é clara. 19
  • As comunidades científicas tbm evoluem. Possuem longa duração igual as ideias.
  • Método do espécime tipo:
    • Então, para se pesquisar um programa de pesquisa podemos escolher um conceito ou um indivíduo integrante do grupo social e seguir suas relações conceituais e sociais, respectivamente. É possível, desta forma, descobrir, por exemplo, como surgiram certas concepções acerca de determinados programas de pesquisa, assim como os grupos sociais mobilizados por eles, e como foi construído o suporte para essas entidades. 
    •  A característica peculiar nos sistemas conceituais como entidades históricas, de acordo com David Hull, é que eles podem conter uma proposição num determinado período e, em outro, a sua negação. Por exemplo, à medida que as pesquisas científicas eliminavam progressivamente a herança lamarckista do campo científico, os elementos lamarckistas também deixaram de fazer parte da teoria darwinista ou passaram a ser entendidos como evolucionismo não-darwinista (Hull, 1985: 801). Ao mesmo tempo, se uma proposição for deduzida de uma outra dentro de um sistema conceitual, não significa necessariamente o seu pertencimento ao mesmo sistema. Se ninguém estabelecer a conexão entre elas, esta não existe. Por isso, ele ressalta que os espécimes-tipo dentro de sistemas conceituais ou comunidades científicas não precisam ser especialmente exemplares (Hull, 1985: 783). 20-1
  • Entidades históricas só podem ser reconhecidas em retrospecto e não há como prever seu futuro. 21
  • Sociologia da leitura em Chartier. Tipo de texto lido (incluindo trad) e forma como é lido (contexto do leitor) se combinam para produzir diferentes apropriações. Controles de leitura (editoriais, administrativos, judiciais, redação), mas existem condições externas ao livro que dizem respeito apenas ao leitor 21
  • [morte do autor, multiplicidade de leituras, tradução e ciência, multiplicidade de darwinismos]
    • O movimento de difusão que pode acontecer com a ajuda da divulgação contribui, com o tempo, para que as teorias adquiram novos sentidos, novas versões ou sejam interpretadas dentro de situações específicas, como assinala Chartier. Os próprios cientistas, muitas vezes, reavaliam seus trabalhos, modificando dados, informações, conclusões. Teorias também podem ser absorvidas por outras áreas diferentes daquelas em que foram formuladas, ganhando concepções diferentes. Em outras palavras, teorias científicas sofrem apropriações. No entanto, por se tratar de teorias científicas devemos considerar que o texto em si apresenta intrinsecamente formas disciplinadoras de leituras. O alcance dessas formas depende, contudo, da situação específica em que a leitura foi efetuada. 23
I
  • Primeira manifestação datada em 1874-5 com azevedo. [será? tem oposição de glick, como aponta gualtieri, e moreira] 27 " outros nomes como pioneiros da divulgação das idéias de Darwin no país, incluindo o Visconde de Rio Branco, Domingos Guedes Cabral (também citado por Collichio) e Otto Wucherer (Gualtieri, 2001:37)." 32
  • Tese apresentada em 3 de novembro de 1874 e defendida em 16 de dezembro de 1874. Um tema principal (beriberi), mais proposições sobre a cadeira de botanica e zoologia, medicina operatória e hygiene. Áreas do currículo de medicina, temas dados pelos professores. 28 Caminhoá colocou Darwin 31
  • Cursos médicos implantados em 1808 29. Contexto
    • Na década de 1870, devido à crescente urbanização, à transferência do pólo econômico do nordeste para o sudeste, à eminente mudança do regime de trabalho, à freqüente ocorrência de epidemias, ao aumento da imigração e às grandes disputas políticas entre liberais e conservadores, as faculdades de medicina começam a sofrer novas modificações. O gabinete do Visconde do Rio Branco (1819 – 1880), que se estendeu de 1871 a 1875, promoveu a modernização da infra-estrutura do país7 (Alonso, 2002: 85). Sua gestão transformou a questão escravista em ponto central do programa de governo. O fim desse tipo de regime de trabalho, segundo o ministro, era imprescindível para que o país avançasse economicamente e galgasse um novo patamar de civilização (Alonso, 2002: 80- 81). Rio Branco também se preocupou com a educação por acreditar que a modernização econômica exigia o trabalho de cidadãos aptos (Alonso, 2002: 85). Por isso, expandiu o acesso à educação para crianças e adultos que não teriam antes possibilidades de estudar. Propôs, em 1874, a criação de ensino técnico e profissionalizante, alfabetização de adultos e abriu novas carreiras no ensino superior. Nem todas as medidas educacionais que idealizara se concretizaram. Mas deixaram o caminho preparado para novas mudanças (Alonso, 2002: 85-86). 
    •  As transformações econômicas e sociais foram sentidas nas faculdades de medicina ao longo dessa década e da seguinte (Collichio, 1988: 31-32; Schwarcs, 1993: 197-198; Alonso, 2002: 86). No início da década de 1870, professores da Faculdade de Medicina do Rio, como Monteiro Caminhoá e Domingos Freire, protestavam contra o ensino teórico e outros problemas que assolavam a instituição (Collichio, 1988: 48). Na década de 1880, ocorreram novas reformas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por iniciativa de seu diretor, Dr. Vicente Cândido Figueira de Sabóia, o Visconde de Sabóia (Benchimol, 1999: 30-33). Mas, ainda na década de 1870, a ciência no Brasil deixa de seguir uma orientação metafísica, para ser caracterizada pelo estudo “verdadeiramente científico”8 , segundo Felisbello Freire, médico contemporâneo de Azevedo (Collichio, 1988: 31). As instituições de ensino superior começam a produzir conhecimentos, novos cursos são organizados e publicações são criadas. Felisbello Freire constata que houve um aumento significativo de matrículas nos cursos médicos, além do crescimento do número de cadeiras, laboratórios e gabinetes para o ensino das ciências físicas e naturais, no interior dos cursos de medicina. Freire afirma, ainda, que essas mudanças nos cursos de medicina teriam ajudado a disseminar uma propaganda cientificista e evolucionista entre os médicos (Collichio, 1988: 31-32). E é nesse ambiente que Miranda Azevedo, ‘redator-proprietário’ da Revista Médica chama a atenção em sua tese para uma nova doutrina nas “sciencias positivas”. 29-31
  • Movimentos intelectuais como identidade social. O grupo mitifica o movimento para se reforçar. 32
    • Miranda Azevedo, ao escolher um grande cientista e uma teoria nova e impactante como referência, ajudou a valorizar sua própria identidade social e dar credibilidade a suas posições com o uso de um emblema. Isto, associado à identificação intelectual com a teoria, relações pessoais, aspirações, além de outros fatores citados anteriormente, poderia ajudar a esclarecer porque Azevedo abraçou o “estado actual e victorioso em toda parte” da “única doutrina positivista dos filhos do século XIX” (Azevedo, 1876: 60) como uma opção legitimadora. 33-4
  • Para azevedo "a realidade só poderia ser verdadeiramente interpretada e transformada através da ciência." 33
  • Collichio fala de pesquisas originais de Azevedo, mas Cid não encontrou registros.
  • Dá atenção a tradução novamente para Muller. 35
  • Problema da miscigenação.
    • O evolucionismo de Darwin abria novas possibilidades de interpretação e construção de uma nova imagem da miscigenação. As idéias de “seleção natural” e “sobrevivência dos mais aptos” expostas em seu livro, associadas aos ideais positivistas se adequavam bastante às aspirações progressistas da nação. 38-9 
  • Segundo Collichio, Haeckel, Spencer e Huxley entraram via  Esocla de Direito do Recife e da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Spencer predominante no Recife e Haeckel entre os médicos. Huxley apareceu no meio literário e científico. 39
  • Comte, Haeckel e Spencer com seus positivismo, recapitulação e determinismo entre os republicanos e seus planos de ação política e social. 40
II
  • Teorias indepentendes articuladas por Darwin. Eram isoladas na recepção. Forma, segundo Cid, um programa de pesquisa. 42
  • Segundo Mayr: 1 - fato da evolução; 2 - origem comum; 3 - gradualismo; 4 - especiação populacional; 5 - SN. 43
  • Azevedo apresenta SN e variação ao acaso.
  • Evolução não era original de Darwin. Gradualismo precisava de mais tempo. Evolução nega  a scala naturae o ser superior e a teleologia. 44
  • Para Ellegard, cinco disputas: criação absoluta; criação progressiva; derivação; seleção direta; seleção natural. Materialismo ok, desde que não fosse pelo homem. Explicada pela criação separada; criação mental.; ou desenvolvimento. "De acordo com o autor, a criação separada poderia ser combinada com qualquer das cinco posições em relação à evolução geral, enquanto os dois últimos pontos de vista sobre a evolução humana combinavam somente a derivação, seleção direta e seleção natural" 45-6
  • Em Darwin não existe tipo ideal. 48 Miranda dá sua visão de espécie seguindo a entidade populacioinal de darwin [será q é msm tão populacional?]. Variações e similaridades. 49 
  • Lamarck, teleologico com todas as variações sendo adaptativas. Darwin não. 50 SN como direcionador sem scala naturae. 52
  • "A eliminação da idéia de um Criador ordenando e controlando tudo na natureza parece ser bastante cara para Miranda Azevedo, uma vez que faz várias críticas à participação de religiosos na política, na educação e na ciência do país." 51
  • Contexto:
    • O anti-clericalismo no país se relacionava com questões sociais e com a adoção do positivismo, liberalismo e cientificismo na reinterpretação da realidade nacional. Uma bula da Igreja Católica, de 1864 (o Syllabus), se posicionava firmemente contra a ciência e a evolução. E em 1870, um novo documento, o Fé Católica, reiterava essa posição, condenando ainda o socialismo e afirmando a infalibilidade papal. Os indivíduos educados e crentes no poder da ciência para resolver problemas concretos se colocaram violentamente contra essas posições obscurantistas e defenderam a separação religiãoEstado (Alonso, 2002: 173). Isso não significava que Miranda Azevedo ou outros contestadores eram agnósticos, apenas defendiam a separação entre as duas esferas por acreditarem que a ciência pode trazer “muitos benefícios para a nação” (Azevedo in: Atas da Câmara dos Deputados de São Paulo, 1891: 453). Segundo Azevedo “É um erro profundo, um erro que sempre tem prejudicado a sciencia, querer-se essa alliança heterogenea, sem razão de ser, entre a sciencia e a religião productos de dous factores differentes – a razão e a fé” (Azevedo, 1876: 42, grifos do autor). 51-2
  • Azevedo apresenta ainda uma visão malthusiana. 53
  • Flexibilidade dos programas de pesquisa contribui para as leituras diversas. 57
    • No caso do programa fundado por Darwin, as teorias da origem comum e da seleção natural parecem fazer parte do núcleo do darwinismo, pelo menos, para alguns indivíduos que realizavam pesquisas orientadas pela teoria evolucionista do naturalista inglês aqui no Brasil durante as décadas de 1870 e 1880 (Gualtieri, 2003). Essas teorias sustentariam a concepção da inexistência de essências fixas caracterizadoras das espécies e a negação da criação separada dos “typos” de seres vivos. 
    •  Note-se que a nova concepção poderia ser diretamente relacionada, e efetivamente o foi, com o ‘problema’ da miscigenação (e incapacidade do povo), pois nela está pressuposta a possibilidade de modificações, praticamente, ilimitadas, mesmo na espécie Homo sapiens. Se para o fixismo as espécies são imutáveis, para o darwinismo elas são fluidas. Percebe-se que esta concepção é muito importante para Miranda Azevedo que fala da artificialidade do antigo conceito de espécie e reafirma mais de uma vez “essa propriedade de variarem as especies” (Azevedo, 1876: 58). Os dois primeiros capítulos da Origem tratam exatamente desse assunto. 58
    • O ‘problema’ da miscigenação tinha origem nas hierarquias promovidas por teorias raciais que indicavam a impossibilidade de progresso de um povo formado pela “mistura de sangue” europeu com “raças inferiores” (Domingues et al., 2003; Gontijo, 2003; Gualtieri, 2003). Os temas da miscigenação e das epidemias 59 tinham especial atenção dos médicos (Schwarcz, 1993). Mas esses temas estavam também ligados ao ideal de construção de uma nova nação (Alonso, 2002; Collichio, 1988). 
    •  Uma primeira leitura dos textos de Miranda Azevedo que contêm referências diretas a Darwin mostra que esses temas foram também muito caros ao médico. Ele parece ter encontrado em elementos da teoria da evolução do naturalista inglês respostas a algumas de suas ansiedades. No entanto, quando analisamos mais detidamente seus textos e sua atividade revelam-se também traços de idéias que eram combatidas pela teoria proposta por Darwin15. Essa constatação indica claramente uma apropriação, por parte de Miranda Azevedo, que consistiu em selecionar idéias do programa darwinista adequadas aos objetivos de contestar e reorganizar um país cuja imagem, construída ao longo de sua curta história, era de atraso, incapacidade, impossibilidade de progresso. 59-60
III
  • Várias eulogias biográficas
    • A leitura desses discursos a respeito de Miranda Azevedo aponta para a construção da imagem de um homem empreendedor, combativo, atuante politicamente, progressista e que tem no cientificismo positivista18 e evolucionista o suporte de toda a sua vida. Todas as atividades descritas por seus contemporâneos colocam-no numa posição de luta pelo progresso, pelo aperfeiçoamento do povo e da nação, de repúdio a velhas estruturas que não funcionam e atrasam a marcha para o futuro. Isso explica seu grande empenho como propagandista e ativista da República. A monarquia representava o passado, o atraso, a nação que não pode caminhar para frente. 65
  • Ver nota 18 sobre Comte. 65
  • Formação intelectual de Azevedo dentro do movimento republicanismo em formação:
    • Miranda Azevedo estaria entre os federalistas científicos de São Paulo juntamente com Alberto Sales, Américo de Campos, Pereira Barreto, Ribeiro de Mendonça, entre outros. Segundo Alonso, o que esse grupo tinha de específico em relação aos outros era a busca da descentralização do poder. Seus periódicos utilizavam repertório cientificista para ataques ao governo e defesa da república federativa. Faziam uso das obras de Comte, Spencer, Renan, Darwin, Haeckel, Mill, Laffitte, entre outros, para apresentar soluções científicas para os problemas. Tinham também grandes preocupações com a educação, que deveria ser estruturada sobre critérios científicos (Alonso, 2002; 147-148). Mas essa associação teria se consolidado para Miranda Azevedo após sua mudança para São Paulo, pois Alonso considera o intervalo entre 1878 e 1888, o período em que emerge o movimento intelectual da geração de 1870 (Alonso, 2002: 48). 66-7
    • [Depois se insere no grupo do rio]
    • Durante o período em que o Dr. Miranda Azevedo viveu no Rio de Janeiro, a capital do Império, o país passava por grandes transformações sociais, culturais e econômicas. Monarquia, escravidão, economia baseada em trabalho escravo, e diversas estruturas da sociedade imperial começavam a ser questionadas, ao mesmo tempo em que emergia um novo movimento intelectual. O surgimento desse movimento se relacionava com a crise pela qual passava o Império, que permitiu a formação de novos grupos sociais e a desestruturação e reorganização dos antigos. Tal fenômeno ocorreu pela incapacidade das  instituições políticas em dar respostas aos anseios de grupos da própria comunidade política. Essa incapacidade gerou a crise que permitiu a “expansão da ‘estrutura de oportunidades políticas’” (Alonso, 2002: 41). Assim, indivíduos que compartilhavam experiências22 e enfrentavam os mesmos tipos de questões, podiam, em conjunto, dar voz aos seus anseios e ter a possibilidade de serem ouvidos. Para que essa ação tivesse efeito, os integrantes do movimento utilizaram-se das novas perspectivas intelectuais vindas da Europa como repertório de ação política. O repertório consistia num conjunto de padrões analíticos, conceitos, teorias, formas estilísticas de linguagem, entre outras coisas. Seria uma espécie de “caixa de ferramentas” (Alonso, 2002: 176). A caixa de ferramentas era utilizada de forma seletiva pelos atores. Outra estratégia dos membros do movimento foi a propaganda. De acordo com Ângela Alonso, vários novos grupos sociais estavam simultaneamente se apropriando de doutrinas cientificistas ou liberais, fenômeno também observado por Collichio (1988), Schwarcs (1993) e Gontijo (2003), e fazendo uso desse repertório de acordo com suas posições políticas. 
    • Embora houvesse uma multiplicidade de correntes ou doutrinas cientificistas disponíveis e ao alcance dos indivíduos de nível superior23 na década de 1870, algumas delas foram selecionadas pelos diversos grupos que emergiam em meio a esse cenário conturbado. Uma delas foi o evolucionismo de Darwin [Spencer e Darwin ]69-70
    • Grupos de indivíduos letrados, mas sem voz política começam a se organizar para tentar mudar a situação e participar das decisões tomadas no país. O cientificismo e o positivismo tornam-se os argumentos teóricos e retóricos capazes de justificar a necessidade da participação desses indivíduos nos processos políticos, econômicos e sociais. E o darwinismo serviu como um emblema para certos grupos. É o evolucionismo que mostra o caminho a percorrer para atingir os objetivos desejados, principalmente numa nação que, mesmo após a independência, ainda continua com a imagem de país colonial atrasado, com uma população degenerada pela miscigenação, que tende a aumentar com o fim da escravidão cada vez mais próximo. 26 
    • Na década de 1870, muitos dos estudantes e intelectuais das faculdades e de outras instituições abraçaram as convicções evolucionistas pelas vias do darwinismo social ou spencerianismo, haeckelismo, positivismo e outras correntes monistas materialistas. As lutas pela abolição, pela instauração da república, pelas reformas no ensino etc., a que se lançaram muitos dos jovens inseridos nas instituições aqui existentes, embalados por esse “bando de idéias novas” (Romero apud Schwarcz, 1993: 24) é um indicativo disso. 
    • Nesse ambiente fervilhante de correntes de pensamentos diversas, de muitos problemas a serem resolvidos, encontramos nosso personagem, Augusto César de Miranda Azevedo, participando ativamente das tentativas de mudanças no país através de vários meios. Uma de suas estratégias foi a propaganda do darwinismo, teoria que divulgou com uma fé inabalável no poder modificador da ciência.72-3
  • Influencia do darwinismo, haejcleimos e spenceirmos. 67
  • Biografia em 68-9
  • Darwinismo sinonimo de progresso 71
  • Correntes ideiológicas precisam de contexto favoraveis de recepção que o brasil oferecia. 72
  • Positivismo chega ao brasil em 1850. Subordinação da metafísica e hierarquização evolutiva das ciencias. Indução exigida. Hipóteses surgidas da observação e da experimentação 73-4
    • alguns autores argumentam que o método utilizado por Darwin, não é o indutivo (que era considerado na época o método da ciência28), mas, sim, o hipotético-dedutivo (Ruiz et al., 1998: 32-34, Bowler, 1989: 214). Entretanto, Darwin faz questão de sublinhar que chegou à elaboração de suas idéias após anos de exaustivas observações e experimentos, como vemos na introdução da Origem das espécies. É compreensível, então, o darwinismo ser facilmente associado ao positivismo. Principalmente por aqueles que, como Miranda Azevedo, estavam interessados em valorizar as possíveis transformações da população e utilizavam a ciência como argumento de legitimação e autoridade. 75
    • Sciencia positiva
  • Nota 25 critica o Collichio. 75-6
  • Azevedo demonstra erudição em seus escritos 77
  • Relacionaa raça ambiente e doença. Ambiente importante. Raça não. 79
  • História da ciência
    • “sempre fecunda em resultados, a consulta da historia, em todas as sciencias, dá muito esclarecimento precioso, quando à narração fiel do passado é examinada á luz do criterio legitimo e da critica justa” (Azevedo, 1875: 5). 80
  • Azevedo critica o não profissionalismo dos médicos e seu desinteresse em divulgação científica. 80
  • Nacionalismo manifestado através da ciência positiva. 81, 82
    • De posse dos conhecimentos necessários, o médico e a ciência podem atingir seu grande objetivo, seu “fim ultimo” que “é sanar as dôres da humanidade e combater effectivamente as molestias que o assaltam no meio de sua existencia” (Azevedo, 1875: 76). Isso é função da “hygiene” que pode determinar quais ambientes são insalubres e afastar os fatores negativos. A higiene também pode estabelecer procedimentos de organização do espaço físico e de hábitos pessoais e alimentares que devem ser adotados para se afastar os agentes mórbidos, regras de higiene profissional e de relacionamento entre os indivíduos, etc. Esse tipo de tratamento higiênico da sociedade foi empregado por higienistas e agentes de saúde no final do século XIX e início do século XX nos Estados Unidos (Leavitt, 1992; Tomes,1990)32. 
    •  Em outras palavras, a higiene pode, com a reunião dos conhecimentos necessários, fornecer os subsídios para reorganizar a sociedade, afastando os males que a afligem. Os médicos e cientistas, como detentores desse conhecimento, seriam os responsáveis por essa reforma. Miranda Azevedo expõe sutilmente uma de suas posições políticas que diz respeito à posição do médico e da medicina em relação à sociedade brasileira, posição essa que foi inclusive tema de outro de seus discursos nas ‘Conferências Populares da Freguesia da Glória’, em 187633. 
    • ....
    • O que fica muito claro na primeira seção da tese, porém, é que elementos do positivismo estavam definitivamente presentes no pensamento de Miranda Azevedo, fossem eles extraídos e apropriados do próprio Comte ou de seus discípulos franceses, como Littré34 e Laffitte (Collichio, 1988; Alonso, 2002). Além disso, a evolução progressiva presente na filosofia positiva foi um elemento importante para o médico na elucidação dos problemas nacionais e suas possíveis soluções 83-5
IV
  • Ideias de Darwin (antiessencialismo e antiteleologia principalmente) afetaram os grupos brasileiros nos quais Azevedo estudava.
    • Esses grupos pretendiam resolver os problemas da população brasileira no sentido de construir uma nação capaz de chegar ao “estado positivo” de civilização. Isso porque independente da susceptibilidade ou não das diferentes raças a determinadas doenças, a inferioridade dos negros, índios e asiáticos era largamente professada por teorias raciais. Ainda que pudessem ser resistentes a certas doenças, considerava-se que essas ‘raças’ estavam num estágio biológico, mental e social ‘inferior’ ao dos europeus (Schwarcz, 1993: 13; Gould, 1991: 18, 26-27). Como, então, aspirar em seguir a marcha da 88 civilização rumo ao progresso com uma população cuja maioria dos indivíduos era considerada inferior (os negros e índios) ou degenerada (os mestiços)? 88-9
  • Azevedo já falava da relação da educação e saúde. Criticava a educação e o dominio clerical. Propunha um sistema de ension público e um necrotério público. Além da primeira faculdade de medicina do estado. Valorizava a sciencias naturaes e o saneamento. Resumindo, Azevedo procurava responder a seguinte pergunta: "como a população pode se desenvolver ou evoluir física, moral e intelectualmente se as condições de ensino e higiene se mantiverem tão lastimáveis?" 89-92
  • Citava o darwinismo nas palavras de Haeckel. 93
    • Muitos dos autores citados por Azevedo como precursores de Darwin, por exemplo: Goethe, Oken, Buch (1774 – 1853), Büchner (1824 – 1890) e o próprio Haeckel (este, contemporâneo de Darwin e divulgador do darwinismo), estão ligados à tradição dos Naturphilosophen alemães que acreditavam no evolucionismo materialista e positivista com tendências a uma progressão teleológica do mundo e da sociedade (Mayr, 1998: 432- 437; Pruna et al., 1989: 15, 21; Bowler, 1989: 105-108), como já foi explicado anteriormente. A seleção natural, considerada por Darwin o principal mecanismo modificador das espécies, não é um processo teleológico. 
    •  Por outro lado, a idéia de gênese monística e de influência do ambiente no aperfeiçoamento dos seres é muito forte no discurso de Miranda Azevedo. ... Lei da biogenética ou recapitulação de haeckel 94-5
  • Era monogenista 94
  • Tinha razões para valorizar o ambiente. 95
    • Miranda Azevedo se utiliza desses pressupostos [aperfeiçoamento de Lamarck] para tentar solucionar os ‘problemas’ de formação da população brasileira. É interessante lembrar também que Darwin admite o fator uso-e-desuso, uma das principais idéias da teoria de Lamarck, associada à crença na hereditariedade das características adquiridas, como possível causa de certas modificações sofridas pelos organismos (Darwin, 1994 [1859]: 25), embora não seja a principal. Mas o fator uso-e-desuso teria mais relações com a seleção praticada pelo homem para produzir raças domésticas, o que Darwin denomina seleção artificial (que pode ser aleatória ou sistemática). Nesse tipo de seleção, a alimentação especial fornecida aos animais e plantas, o clima, a restrição e seleção dos cruzamentos, a falta de competição, entre outros fatores, concorrem para produzir formas aprimoradas dos organismos. Essas formas foram desejadas pelo homem que “pode agir apenas sobre os caracteres externos e visíveis” enquanto a natureza pode modificar40 qualquer característica “por mais insignificante que ela seja, do complexo mecanismo vital do indivíduo” (Darwin, 1994 [1859]: 91). 
    •  A teoria de Darwin é chamada pelo Dr. Azevedo de “theoria da selecção morphologica”. Isso sugere que os “caracteres externos e visíveis” são grandemente valorizados pelo médico. A seleção artificial representa a possibilidade de intervenção do homem na transformação dos organismos, inclusive do próprio homem, para um objetivo desejado. Alimentação, condições de higiene, educação, tudo isso está diretamente relacionado com a possibilidade de produção de indivíduos aperfeiçoados. 98
  • Darwin por Azevedo: luta pela existência; variabilidade das espécies; hereditariedade; SN. As concepções fundamentais são a origem comum, a variabilidade das espécie e o aperfeiçoamento continuado. 99-100
    •  Miranda Azevedo viveu num período da história do Brasil em que questões raciais eram muito discutidas pelas relações que tinham com a formação da população do país e com o sistema econômico vigente – a economia baseada em grandes propriedades que utilizavam trabalho escravo (Alonso, 2002). As doenças e epidemias que se relacionavam com as condições de salubridade do ambiente e dos indivíduos foram seu objeto de estudo na Faculdade de Medicina. Durante seu curso teve oportunidade de conhecer ou estabelecer relações com outros indivíduos que também conheciam as novas idéias científicas que estavam sendo discutidas em outros lugares do mundo, principalmente na Europa. Conhecendo os trabalhos de autores brasileiros, franceses, alemães e ingleses41, principalmente, pôde construir sua própria interpretação dos problemas nacionais e propor soluções baseadas na “siencia positiva” da evolução. O darwinismo seria o representante máximo dessa ciência. 
    •  A ausência de barreiras artificiais entre as espécies, originadas de ancestrais comuns, permitia que as diferentes ‘raças’ humanas fossem pensadas não somente a partir de presumíveis constatações de inferioridade. Miranda Azevedo preferiu pensar sobre a possibilidade de aperfeiçoamento dos indivíduos ... Em outras palavras, praticar a seleção artificial sistemática e aproveitar ao máximo os efeitos do uso-e-desuso para desenvolver as características desejadas no povo. 
    •  O melhoramento do povo deveria ser conseguido através de instrução (exercitando o intelecto, ele se desenvolve), boas condições de higiene, alimentação, casamentos entre indivíduos sadios e vigorosos42, etc. A instrução deveria ser aberta a todos, inclusive a mulheres. E a ciência deveria guiar os processos da nação. 100-1
  • Republicanos usavam os jornais e conferencias para fazer propaganda progressista. 102
  • Conferencias da glória deveriam ser apolíticas e areligiosas, mas na prática não era assim. Ali 103
    • Miranda Azevedo percorre a história, retirando dela sinais de que, ao longo do tempo, foram-se reunindo argumentos “scientificos” através da paleontologia, morfologia, anatomia comparada, geologia, embriologia que levaram à organização das idéias de Darwin. 
    • Citando Leibniz, afirma que, “por uma verdadeira inspiração philosophica”, o grande filósofo percebeu que os homens estariam ligados aos animais e, estes, às plantas. Fala da crença do filósofo numa “lei de continuidade para todos os seres” e elogia Bonnet (1720 – 1793), naturalista que “creou a sua celebre escala contínua dos seres”, inspirando aqueles para quem “já não era sufficiente a cosmogonia mosaica”, como De Maillet (1656 – 1738) e Robinet (1735 – 1820), na França44 (Azevedo, 1876: 45, grifos do autor). Faz comentários sobre Buffon (1707 – 1788), esse “nome cheio de merecimento”, afirmando que este naturalista impulsionou grandemente as idéias evolutivas: 104
  • Enaltece Lamarck e considera o mecanicismo e a teleologia partes integrantes da teoria evolutiva mesmo sabendo que Darwin negava a última 105
    • A sua conclusão é de que pelas leis da natureza, as espécies tendem a se aperfeiçoar e que, em relação ao homem, somente suas ações podem impedir que isso aconteça. Assim, pelo conhecimento e respeito às leis darwinistas, as ações negativas podem ser evitadas, e com planejamento adequado a tendência ao progresso, ao melhoramento, ao aperfeiçoamento do povo e da nação podem ser alcançados. 
    •  Esse longo discurso do médico, mesmo se referindo a Lamarck como fundador do evolucionismo moderno, elogiando Haeckel e citando inúmeros autores que apresentam concepções teleológicas da evolução, se constitui numa defesa do darwinismo. Azevedo insiste em que “a nova era scientifica” é “dominada pela grande figura de C. Darwin” (Azevedo, 1876: 53). ... Darwin “deu cunho positivista e scientifico a esta doutrina [a evolução]” (Azevedo, 1876: 60). 108-9
  • Deseja convencer a pop que a educação cientifica era a chave do progresso. 106
  • Conclusão geral
    • Assim, Miranda Azevedo utiliza o nome de Darwin e sua obra46 contra as estruturas e instituições do governo que não conseguiam responder às aspirações de um grupo de intelectuais preocupados com a formação de uma identidade progressista para a nação O povo tinha de ser melhorado para que a nação pudesse se desenvolver. Esse melhoramento seria conseguido através da seleção artificial sistemática. E com um povo aperfeiçoado física, moral e intelectualmente, não deveria haver entraves para que a nação assumisse as feições de um estado positivo de civilização. 
    • Mesmo fazendo uma síntese de idéias de vários evolucionistas, Miranda Azevedo contribuiu, com a sua estratégia propagandística, para que o darwinismo fosse conhecido no Brasil. Para o médico, a origem comum, a variabilidade, a hereditariedade e a seleção artificial parecem se apresentar como elementos do núcleo da teoria, embora em seu discurso apareça também a luta pela existência e a seleção natural. Entretanto, como o seu interesse era a possibilidade de desenvolvimento da população e da nação através da intervenção de indivíduos que tivessem o conhecimento necessário, a seleção artificial torna-se o procedimento ideal. E suas propostas de ação são baseadas nesse princípio. A seleção de elementos do sistema teórico de Darwin é admitida pelo próprio Miranda Azevedo na conferência, quando afirma que se o organizador do evento julgar conveniente, ele voltará àquela tribuna “para vos dizer aquillo que leio, aquillo que aproveito do estudo das obras dos mestres” (Azevedo, 1876: 63). 109-10
  • Nota 46 menciona tradução. 109
  • Passa algumas páginas descrevendo brevemente outros evolucionistas.
  • Não era eugenista pois a eugenia ainda não existia. 114 Mas futuramente ela colocaria muita enfase na questão do aperfeiçoamento 115
    • O Brasil foi o primeiro país da América Latina a ter um movimento eugênico organizado, o qual se estruturou no período em torno da Primeira Guerra Mundial (Stepan, 115 2004: 334). Mesmo nessa época, os sentimentos de atraso ainda estavam presentes na elite brasileira enquanto continuavam considerando os países da Europa como símbolos da civilização e do progresso (Stepan, 2004: 335). As semelhanças entre o início do século XX e as últimas décadas do século XIX com relação a preocupações sociais, econômicas e políticas no Brasil não param por aí. Stepan assinala que o nacionalismo e o desejo de dar visibilidade internacional ao Brasil eram elementos muito fortes no pensamento daqueles que acreditavam poder guiar ou contribuir para o desenvolvimento da nação. As cidades mais importantes passavam por surtos de urbanização, industrialização e superpopulação. As altas taxas de mortalidade, as péssimas condições de saneamento e habitação da população pobre também eram características que se mantinham na sociedade brasileira, além, é claro, do ‘problema das raças’. 115-6
    • Nesse contexto, insere-se a eugenia brasileira que “associou-se à mobilização pela introdução de tal legislação de bem estar social como forma de aprimorar o povo brasileiro” (Stepan, 2004: 337). Assim, num primeiro momento, a eugenia aqui, fundamentada em conceitos neo-lamarckistas e representada principalmente por Renato Kehl, admitia que 116 fornecendo condições necessárias ao pleno desenvolvimento do indivíduo havia também a possibilidade de se produzir aprimoramento hereditário ao longo do tempo ....  os eugenistas organizaram campanhas anti-alcoólicas, valorizaram a puericultura, o saneamento, a higiene sexual, enfatizaram o bem estar das crianças, entre outras coisas. Por outro lado também se colocavam contra casamentos de indivíduos “eugenicamente insalubres” e defendiam a adoção legal de exames pré-nupciais para verificar a salubridade dos mesmos. 116-7
    • Já pela metade da década de 1920, biólogos das novas instituições científicas do país travavam conhecimento com a genética mendeliana e começam a questionar a eugenia neo-lamarckista, sendo Roquette-Pinto, um de seus principais representantes (Stepan, 2004: 362). Para os mendelianos, a influência do ambiente na herança era muito restrita ou inexistente. Segundo os adeptos da genética mendeliana, o ambiente facilitaria o desenvolvimento dos indivíduos que já fossem geneticamente adequados. Neste sentido, o que faria a diferença era a promoção de casamentos entre os geneticamente adequados (o que pode ser traduzido como casamentos entre indivíduos das classes mais altas) e a restrição de casamentos entre os inadequados (os pobres e negros). Mas havia outras soluções, entre elas a hibridação. Muitos mendelianos acreditavam na mestiçagem como saída para a questão da degeneração, pois assim, o país poderia ser “branqueado”. Alguns deles, como Otávio Domingues, interpretavam “a miscigenação não como causa de degeneração racial, mas como um processo biologicamente adaptativo que permitiria que se desenvolvesse uma verdadeira ‘civilização’ nos trópicos” e defendia “o incentivo a uma consciência eugênica nos indivíduos, através da educação, pela qual as pessoas com 117 defeitos hereditários evitariam reproduzir-se” (Stepan, 2004: 370). Roquette-Pinto também defendia os cruzamentos inter-raciais como processo saudável de branqueamento, embora afirmasse que “o objetivo da eugenia não era branquear, mas sim educar todas as pessoas, brancas e negras, sobre a importância da hereditariedade” (Stepan, 2004: 370). 117-8
  • Na época de Vargas continua. 118
  •  Assim:
    • Ainda que em bases teóricas diferentes, é inegável a semelhança desses procedimentos com a visão de Miranda Azevedo. Em ambos os casos, o melhoramento da população é tratado a partir de uma visão evolucionista que emprega a idéia de seleção, especialmente a seleção artificial. A educação, a seleção de casamentos, a ênfase na melhoria das condições ambientais e de higiene como forma de promover o desenvolvimento “fisico, moral e intellectual” dos indivíduos estão presentes de maneira marcante no discurso e na prática do médico. O programa de higiene elaborado pelo médico, já mencionado, apresenta temas relacionados com as condições de alimentação para o equilíbrio e restauração das forças; doenças relativas à má alimentação; danos físicos provocados por bebidas alcoólicas; condições do ar nas cidades, habitações e suas relações com as doenças; papel da higiene no controle do ar, da água, do solo, da alimentação; escolha de vestimentas adequadas ao clima; importância dos exercícios físicos e do 118 descanso; higiene infantil, escolar, industrial, urbana, além de muitos outros itens (Azevedo, 1893). Além disso, Azevedo também fez parte da Sociedade Promotora de Imigração que tentou normatizar a entrada de estrangeiros no país. Todos esses temas, na visão de Azevedo, seriam formas de promover a seleção artificial sistemática do povo, o que redundaria no seu aperfeiçoamento. 
    •  Há uma separação de uma ou duas gerações entre Miranda Azevedo e os eugenistas brasileiros, assim como uma miríade de novos autores e avanços na compreensão dos processos biológicos. No entanto, parece que os eugenistas retomaram a maneira de tentar reorganizar a sociedade idealizada por Azevedo, informados pelas novas teorias científicas em voga, mas mantendo o selecionismo como elemento importante de suas propostas. Se as isomorfias entre Azevedo e os eugenistas são apenas coincidências ou se realmente existiram influências de um tipo de cultura científica fundada nas décadas finais do século XIX, é uma questão para a qual pesquisas mais longas e cuidadosas serão necessárias 118-9
CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • Retoma Hull. 121-2
  • Azevedo era Darwinista no sentido de Hull 122
  • Conclusão:
    • Mas teria ele contribuído para a entidade histórica ‘darwinismo’, para o sistema conceitual que começou a ser arquitetado a partir da publicação da Origem das espécies? A ênfase com que o médico defende o darwinismo indica que ele crê haver consenso acerca dos fundamentos do darwinismo, e ele certamente se identifica com tal programa de pesquisa. Além disso, pelos textos consultados, ele discursa sobre quatro das “leis fundamentaes” (Azevedo, 1876: 43) ou conceitos propostos por Darwin em seu livro. 
    •  Por outro lado, o darwinismo prático de Azevedo desconsidera totalmente o fato da seleção artificial ser utilizada por Darwin como um ponto de partida heurístico para explicar o processo pelo qual as espécies se modificam. O naturalista inglês reitera em várias passagens de sua obra que a seleção artificial é somente uma metáfora imperfeita da seleção natural. Ainda poderíamos fazer restrições em relação à orientação lamarckiana ou haeckeliana do médico, mas devemos lembrar que o próprio Darwin utiliza algumas vezes os princípios do uso e desuso e da herança dos caracteres adquiridos em Origem das espécies. A utilização desses princípios (principalmente o segundo) aumenta da primeira para a sexta edição do livro, todas revisadas pelo próprio autor (Desmond et al., 2000: 597- 599). 
    •  Muitos fatores já comentados podem ter influenciado a leitura do médico sobre a teoria da evolução das espécies de Darwin. Mas outro dado a se considerar é o fato de que Miranda Azevedo provavelmente leu Origem das espécies em francês, já que afirma no texto da ‘Conferência’ não haver, até 1875, uma tradução da obra em língua portuguesa 122 (Azevedo, 1876: 55). Terezinha Collichio também constata que as obras de Darwin lidas por Azevedo são todas citadas na tradução francesa (Collichio, 1988: 34). De acordo com Pruna e Gonzales, na tradução francesa feita por Clemence Royer (1830 – 1902) em 1862, a tradutora escreveu um prólogo onde apresentava sua própria interpretação da teoria darwinista, o qual causou grandes discussões no meio intelectual francês. Ela também teria modificado o título original da obra para Da origem das espécies, ou as leis gerais do progresso entre seres organizados48 (Pruna et al., 1989: 19-20), o que deve ser também considerado quando se estuda a apropriação da teoria de Darwin feita por Miranda Azevedo, já que, provavelmente, a edição utilizada pelo médico continha o prefácio de Royer. [nota 48 Em consulta a uma edição francesa da Origem, vendida no Brasil em 1888, que contém o prefácio de Clemence Royer, consta o título “De l’origine des espèces par sélection naturelle ou des lois de transformation des êtres organisés”. Assim, o título em francês desta edição não corresponde exatamente ao citado por Pruna e Gonzales. No entanto, os autores observam que Royer produziu mais duas edições da obra, com novos prólogos, embora não façam comentários sobre a manutenção ou não do título. Os autores baseiam sua informação sobre a tradução de Royer em Stebbins (1972) e Nazarov (1974) (Pruna et al. 1989: 20). De qualquer forma, é interessante notar que na edição francesa que consultei, Clemence Royer encera seu prólogo com a seguinte frase: “pour moi, mon choix est fait: je crois au progrès.” (“para mim, a escolha está feita: eu creio no progresso.”) (Darwin, s.d.: XL). ]
    •  Mas, apesar de tentar aplicar o darwinismo a partir de uma seleção artificial que supervaloriza o uso e desuso e a herança de caracteres adquiridos com a intenção de atingir um resultado desejado (um modelo de perfectibilidade pré-determinado), ainda é possível entrever a possibilidade de considerarmos Miranda Azevedo integrante de um grupo social que forneceu suporte para o darwinismo no Brasil do final do século XIX. Assim, seguindo o método de David Hull, poderíamos considerar o médico um espécime-tipo de grupos sociais que sustentaram o programa darwinista aqui no Brasil. Com a nova compreensão sobre as espécies, os cientistas perceberam que as diferenças entre os indivíduos de populações de uma mesma espécie não são mais acidentes ou aberrações em relação ao tipo ideal representante do grupo. Conseqüentemente, qualquer indivíduo da população pode ser tomado como espécime-tipo para representar a espécie.
    • Os grandes fóruns centrais de discussão do darwinismo começaram na Europa (Ellegärd, 1990). Os círculos darwinistas iniciais se expandiram, aumentando a rede de conhecimento científico, levando à formação de novos círculos em outras partes do mundo, como mostram os trabalhos mencionados na introdução. Provavelmente, Haeckel foi o primeiro aglutinador de um novo círculo, fora da Inglaterra (Ritvo, 1992). Miranda Azevedo não discutiu com o grupo que, a princípio, o sustentou, mas fez propaganda e defendeu o darwinismo, envolvendo-se em debates no Brasil. É possível supor, então, que o médico tenha participado da formação de círculos sociais darwinistas no país, juntamente com seu professor, Monteiro de Caminhoá49  [nota 49 cita a apreciação de collichio sobre caminhoá na página 124 do livro dela] (o qual sugeriu a questão sobre o darwinismo para a tese de doutoramento a qual Azevedo prontamente se dispôs a responder positivamente) e seus colegas de faculdade. Outros círculos darwinistas podem ter se formado no país, como mostram os trabalhos de Gualtieri (2003), sobre os cientistas do Museu Nacional, e Thomas Glick (2003), sobre o grupo Idéia Nova, no sul do Brasil50. 
    •  A aceitação de que as espécies de seres vivos podem se modificar, e até progredir localmente, e que esse desenvolvimento tem relações íntimas como o ambiente no qual as populações vivem, está diretamente relacionada com a teoria da evolução biológica de Darwin. Mas Miranda Azevedo se utiliza também de pressupostos lamarckistas para tentar solucionar os ‘problemas’ de formação da população brasileira. A seleção artificial representa, nesse contexto, a possibilidade de intervenção do homem na transformação dos organismos, neste caso específico, do próprio homem, para chegar a um modelo de aperfeiçoamento desejado. Alimentação, condições de higiene, educação, tudo isso está diretamente relacionado com a possibilidade de produção de indivíduos aperfeiçoados. Neste sentido, as posições de Miranda Azevedo em relação à evolução humana e do restante do mundo orgânico, de acordo como o esquema de Alvar Ellegård (ver cap. II, pg. 39) poderiam ser identificadas como desenvolvimento, para a evolução humana, e seleção direta para o restante da natureza. Isso porque ele considera que o homem pode evoluir física, moral e intelectualmente, além de acreditar que variações entre pais e filhos poderiam ser direcionadas para um curso benéfico e desejado. 
    •  Praticar a seleção artificial e aproveitar ao máximo os efeitos do uso-e-desuso para desenvolver as características desejadas no povo era uma das possibilidades de apropriação do darwinismo, a escolhida por Azevedo. Assim, a tentativa de Miranda Azevedo de popularizar o darwinismo no Brasil foi uma maneira de dar suporte a tal programa de pesquisa. Esse suporte se inseria num contexto em que a teoria deveria ter aplicabilidade na resolução dos problemas nacionais, estes também interpretados a partir do evolucionismo darwinista. E a propaganda da teoria de Darwin, assim como suas propostas para modificar a identidade da nação foram elementos que contribuíram para a construção da imagem do médico que ficou gravada na memória de seus contemporâneos e dos estudiosos desse personagem. Mas, além dessa imagem, o selecionismo que visava o aperfeiçoamento, presente não só em Azevedo, pode ter sido incorporado ao pensamento científico brasileiro por muito tempo ainda, após a aparição do médico no cenário nacional. Entretanto, esta suposição necessita pesquisas mais extensas e cuidadosas para que possa ser verificada. 122-5


CID E WAIZBORT 2009
  • Bem derivado da dissertação. Marquei poucas coisas.
  • Reitera a dubiedade do pioneirismo de Azevedo.
  • Contudo:
    • Miranada Azevedo é social e historicamente identificado como o darwinismo. Mas suas propostas de ação indicam refeRênicas teóricas que não se limitam estritamente à teoria da evolução biológica de Darwin, apresentando mesmo posições bastante divergentes das do naturalista inglês em vários aspectos. Isso parece sugerirr, depois da análise, que o médico, ao se apropriar da teoria, tomava o darwinismo como emblema de suas campanhas para o progresso. Mas não abria mão de outras concepções evolucionistas que se baseavam em um desenvolvimento progressivo rumo a um fim determinado, como sugere a própria pergunta que lhe foi feita por seu professor na seção acessória de sua tese: "é aceitável o aperfeiçoamento cada vez mais completo das espécies até o homem?" 304
  • Para Azevedo, darwin era derivação de um ancestral comum mais simples , trasnfomração gradual por seleção natural. Elogia a redefinição de espécie e a eliminação do Criador. SN direcionava a evolução. 305
  • Problemas do brasil a se resolver: miscigenação, doenças e epidemias; susceptibilidade das raças; inépcia do governo. 305-6 Assim ele busca utiliza pressupostos darwinistas e lamarcksitas para tentar resolver esses problemas. "A ciência deveria guiar os processos da nação" 307
    • A sua conclusão e de que, pela sleis da natureza, as espécies tendem a se aperfeiçoar e que, rem relação ao homem, somente sua sações podem impedir que isso conteça. Assim, pelo conhecimento e respeito às leis darwinistas, asa ações negativas podem ser evitadas, e com planejamento adequado a tendência ao progresso, ao melhoramento, ao aperfeiçoamento do povo e da nação poderia ser alcançada. 308
  • Preferia acreditar na possibilidade de aperfeiçoamento da humanidade. 307
  • Reitera a questão da trad. 309
  • Conclusão igual acima.

WAIZBORT 2012
  • na própria pergunta de Caminhoá está embutida a ideia de uma escala, que vai do menos ao mais aperfeiçoado, e que isso indica fortemente que o professor, com sua interrogação, punha em cena o pensamento de que as espécies de seres vivos poderiam ser organizadas em uma cadeia ascendente de complexidade, a scala naturae, com o homem no ápice dessa estrutura (cf. Bowler, 1989) 328
  • texto deve ser lido como um resumo das ideias de Haeckel contidas no livro História da criação natural 333
  • Visão da humanidade como mais avançada contrariando darwin. Segue a grande cadeia dos seres sem ser fixista. 334-5
  • Bonnett e Leibniz aparecem em azevedo mas não em haeckel 335
  • Não teleologia de haeckel diz respeito somente a questão da criação natural e não especial 337
  • Compartilha a crença de lamarck como fundador e humanidade dentro do transformismo com haeckel 337
  • Comentário sobre o título do descent em português 341
  • Relaçoes com haeckel
    • “luta pela existência” (p. 56), “variabilidade das espécies” (p. 57), “hereditariedade” (p. 58), “seleção natural” (p. 58). A questão fundamental é que o pretenso conhecimento das leis da hereditariedade e da seleção natural são o núcleo epistemológico do sistema de Haeckel, não o de Darwin. Embora Darwin reconhecesse a importância do processo hereditário, ele também tinha consciência de que não entendia direito como se dava o processo de transferência de características dos progenitores a sua prole, dos pais para os filhos. Já Haeckel assume que a herança de caracteres adquiridos (um tipo particular de herança tênue, herança afeita a assimilar ao patrimônio hereditário – genético – as características adquiridas durante a vida de um individuo) seria um processo absolutamente fundamental na criação das adaptações que serão selecionadas. Pelo uso e pelo desuso, funções e formas seriam desenvolvidas, e outras funções e formas seriam abandonadas. 342
    • Acompanhando Haeckel, Azevedo considera a hereditariedade (reprodução) e a adaptação (nutrição) como duas faces do processo progressivo da evolução. A hereditariedade é conservadora, ela garante que as características vantajosas dos pais estejam presentes nos filhos. A adaptação é inovadora, pois permite que aquilo que foi adquirido durante a vida, se vantajoso, seja selecionado pelo uso e transferido para as gerações seguintes. O problema é que à época de Miranda Azevedo, Haeckel e Darwin, não se tinha uma ideia sequer coerente do mecanismo da herança. A ideia de que a mistura de sangue é que levava às características dos filhos era muito comum, mas obviamente não explicava por que os filhos, em muitas características, não se pareciam com os pais, mas com os avós, ou os tios, ou mesmo com parentes mais distantes. Miranda Azevedo diz que a hereditariedade é uma das quatro leis do darwinismo. Seguindo Haeckel, ele afirma que, no processo de adaptação ao mundo, os indivíduos obrigatoriamente nutrem-se de experiências as mais variadas, são modificados por elas, e essas modificações são passadas para a prole. 343-4
    • Miranda Azevedo parece ter consciência de que é sobre essa variedade difundida até o nível do indivíduo que age a seleção natural: “entre os indivíduos da mesma espécie, oferece mais garantia de vitória e, portanto, de vida, os que têm melhores recursos de adaptação ao meio em que vivem” (Azevedo, 1876, p. 59). Mas quem tem os melhores recursos de adaptação? Os que vivem. E quem são aqueles que vivem? Os com melhores recursos de adaptação. Há uma circularidade entre sobrevivência e aptidão. Esse tipo de circularidade na definição da seleção natural pareceu minar historicamente a razão do próprio conceito. Mas essa é a apropriação que Miranda Azevedo teria feito de Darwin, um uso comum a outros autores, incluindo obviamente Haeckel. Mas a seleção natural não precisa ser, e talvez não deva ser, definida em termos de sobrevivência dos mais aptos ou fortes. Darwin percebeu a circularidade da definição, e escapou dela afirmando que sobrevivência e aptidão devem ser definidas em relação ao ambiente (cf. Gould, 1987). Hoje, pensa-se muito em seleção natural como reprodução diferencial, tendo-se em mente que as razões reprodutivas são bastante sensíveis a mudanças ambientais – ambiente entendido, sobretudo, com vieses biológicos, ou seja, constituído por muitas ou inúmeras espécies de seres vivos. A questão é que, para Darwin, a perfeição parece apenas um momento de aparente equilíbrio entre uma espécie e o meio, um instantâneo da eterna mudança a que as espécies estão sujeitas no tempo geológico. A ideia de uma perfeição absoluta e (bem) acabada é completamente estranha a ele. 344
    • Azevedo não faz referência às árvores de Haeckel e Darwin. Assim como Haeckel, ele não explicita que a mudança evolutiva é uma transformação de populações e que, nesse tipo de processo, não faria sentido dizer que a espécie humana seria o ápice, pois cada final de ramificação representa uma espécie diferente. Mas acompanhando Haeckel, Azevedo não pensa assim. 345-6
    • . Mesmo quando é anatomicamente impossível discriminar o crânio de uma criança e de um pequeno chimpanzé, é para chegar ao homem que a evolução parece passar por uma longa história de mudanças. Como para Lamarck, todas as outras espécies de seres vivos, todas as outras formas conhecidas ainda não atingiram a forma perfeita, a forma humana. E para chegar à forma mais perfeita, ao homem branco, europeu, do norte, é preciso tomar medidas políticas, decisões que afetarão diretamente as populações das gerações futuras. As implicações do darwinismo, para Miranda Azevedo, não são só naturalísticas e filosóficas. Elas não dizem respeito apenas à história das espécies, incluindo a humana, mas também podem e devem ter consequências práticas, pois é entendendo e obedecendo as leis naturais que seria possível melhorar a composição de uma população, como a brasileira, carente ainda das características progressivas e civilizadas do homem branco europeu 346
    • Embora Azevedo se refira à “leitura atenta que fiz” de A origem das espécies de Darwin, em nenhum momento ele penetra no pensamento, proclamado pelo texto do naturalista inglês, de que a evolução é um processo que prescinde, e mesmo exclui, uma relação de causalidade direta entre variação individual e ambiente, de que o homem é apenas mais um dos ramos de um processo arborescente. De fato, Azevedo apresenta teses que fazem parte do darwinismo, mas faz isso seguindo Haeckel tão de perto que ouso anacronicamente considerar que a leitura atenta que ele fez foi a de textos do naturalista alemão e não do inglês. 
    • Em Haeckel, a seleção natural apenas filtra a variação induzida pela alimentação, pelo ambiente, pela experiência, todos aqueles fatores determinantes que não são partes constitutivas do indivíduo, mas do seu meio. O sistema de Haeckel pode ser melhor compreendido sob a clave da famosa oposição nature versus nurture. Mas aqui a nutrição modifica a natureza via modificação no comportamento, nas funções e nos hábitos; o fenótipo, como o chamamos hoje, retrograda até o genótipo, os determinantes externos aos indivíduos modificam o que entendemos hoje por genótipo, e são esses indivíduos geneticamente modificados que irão ser positiva ou negativamente selecionados. Por isso, tanto para Haeckel como para Miranda Azevedo, pensar em uma reforma nas leis militares, abandonar a ideia de mandar para a guerra e para a morte os melhores jovens, é uma medida para imediatamente melhorar a população alemã e brasileira, via mecanismos hereditários e seletivos 348
    • O homem, representado por Miranda Azevedo, é uma espécie resultante da progressão do processo genealógico da evolução. Haeckel diminui a importância da seleção natural admitindo a herança tênue das características adquiridas. Azevedo, obviamente, não percebeu essa contradição. Entretanto, se o compromisso de Darwin com a seleção natural é o que de fato singulariza sua teoria da evolução e o darwinismo, Haeckel e Azevedo se afastam dele. A espécie humana para Darwin, com todas as suas variações de raça, é o resultado de processos seletivos, às vezes, mas não sistematicamente, alimentados pelo uso e pelo desuso. A seleção natural e a seleção sexual nutrem-se principalmente de variações que não são causadas pelo hábito e pela necessidade, mas são o resultado de processos casuais, semiestocásticos: variação aleatória selecionada por critérios específicos para cada ambiente histórico. 
    • “Atores ecológicos em um cenário genealógico” é o título de um artigo do filósofo David Hull, sobre a definição de espécie biológica. Claro que Azevedo não atenta para essa relação entre agentes que lutam ao longo de inúmeras gerações para deixarem seus representantes para as gerações futuras. Como Darwin, Azevedo não sabe da existência de genes. A diferença é que enquanto Haeckel e Azevedo pretendem ter pleno conhecimento das leis da herança, Darwin reconhece sua ignorância. E adota o caminho de que as variações entre os indivíduos não são o resultado da necessidade ou do esforço desses organismos. Ao longo do tempo genealógico, as pequenas diferenças entre os indivíduos podem ser selecionadas em uma mesma direção e darem origem às estruturas adaptativas e a novas espécies. Para ter uma reflexão evolutiva dessa natureza, o Brasil teve que esperar muito mais tempo, provavelmente apenas em meados do século xx, em 1943, com a chegada de Dobzhansky ao Brasil. 349
  • Árvore de darwin explicativa, de haeckel fabulaica. 345
  • Eugenia 347, 348-9, 351.

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