Bourdieu 2002; Espagne 2017

BOURDIEU 1989/2002

Trad. Fernanda Abreu

  • Ciência não é inerentemente internacional. 1
    • O que podemos fazer hoje, se estivermos verdadeiramente preocupados em favorecer a internacionalização da vida intelectual? Acreditamos com freqüência que a vida intelectual é espontaneamente internacional. Não há nada mais falso. A vida intelectual, como todos os outros espaços sociais, é o lugar de nacionalismos e imperialismos, e os intelectuais veiculam, quase tanto quanto os outros, preconceitos, estereótipos, idéias pré-concebidas, representações muito sumárias, muito elementares, que se alimentam dos acidentes da vida cotidiana, das incompreensões, dos mal-entendidos, das feridas (por exemplo, aquelas que o fato de ser desconhecido em um país estrangeiro pode infligir ao narcisismo). Tudo isso me faz pensar que a instauração de um verdadeiro internacionalismo científico que, a meu ver, é o começo de um internacionalismo mais generalizado, não pode ocorrer sozinha. 2
  • Laissez-faire "leva muitas vezes a fazer circular o pior e a impedir o melhor de circular." 2
  • Fatores geradores de mal-entendidos: Textos circulam sem contexto (conjectura-se que pode ser bom se permitir leituras alheias a autoridade do autor). 3
  • "o sentido e a função de uma obra estrangeira é determinado tanto ou mais pelo campo de chegada quanto pelo campo de origem." Operação de seleção (tradução e publicação); Marcação (editorial) e leitura (leitores com formações nacionais diferentes) 4 
    • Vou retomar rapidamente cada um desses pontos. A entrada no campo de chegada é um objeto de pesquisa verdadeiramente crucial e verdadeiramente urgente, tanto por motivos científicos quanto práticos, para intensificar e melhorar a comunicação entre nações européias. Espero poder organizar um colóquio que teria por finalidade analisar os processos de seleção: quem são os selecionadores, aqueles que uma sociologia da ciência americana chama de “gatekeepers”? Quem são os descobridores e que interesse têm em descobrir? Sei bem que a palavra interesse choca. Mas penso que aquele que se apropria, com total boa fé, de um autor e que se torna seu introdutor tem benefícios subjetivos totalmente sublimados e sublimes, mas que são mesmo assim determinantes para compreender que ele faça o que faz. (Penso que um pouquinho de materialismo não faria mal, não prejudicaria em nada o encantamento, muito pelo contrário.) O que chamo de “interesse” podem ser as afinidades ligadas à identidade (ou homologia) das posições em campos diferentes: 4
    • Por que tal editora publicou tal autor? Existem obviamente os benefícios de apropriação. As importações hereges são muitas vezes feitas por marginais do campo, que importam uma mensagem, uma posição que tem força em outro campo e cujo efeito é reforçar sua posição [...] estrangeiros são muitas vezes submetidos a usos muitos instrumentalistas; eles são muitas vezes utilizados para causas que talvez reprovassem ou recusassem em seu próprio país. ...  Muitas vezes, com os autores estrangeiros, não é o que dizem que conta, mas oque podemos fazê-los dizer. É por isso que alguns autores particularmente elásticos circulam muito bem. As grandes profecias são polissêmicas. Esta é uma de suas virtudes e é por isso que atravessam lugares, momentos, épocas, gerações, etc. Portanto, os pensadores de grande elasticidade são um prato cheio, pode-se dizer, para uma  interpretação voltada para a anexação e usos estratégicos. 5-6

  • Laços de poder simbólico perpassam as escolhas de tradução. 5
  • Marcação. "Sociologia dos prefácios". Transferência de capital simbólico. A capa marca o livro. As pessoas tem uma intuição das coleções e das editoras.
  • Mal entendidos de ordem filosófica-cultural
    • Na realidade, os efeitos estruturais que, para o bem da ignorância, tornam possíveis todas as transformações e deformações ligadas a usos estratégicos dos textos e autores podem ser exercidos fora de qualquer intervenção manipuladora. As diferenças são tão grandes entre tradições históricas, tanto no campo intelectual propriamente dito quanto no campo social considerado como um todo, que a aplicação a um produto cultural estrangeiro das categorias de percepção e de apreciação adquiridas por meio da experiência de um campo nacional pode criar oposições fictícias entre coisas semelhantes e falsas semelhanças entre coisas diferentes. 7
  • Isso teria que ser resolvido pelo ensino dos contextos de produção das obras. Bourdieu diz que isso teria de ser feito em cursos com aspectos internacionais. 9
  • "a internacionalização (ou a “desnacionalização”) das categorias de pensamento que é a primeira condição para um verdadeiro universalismo cultural." 12
ESPAGNE 2013/2017
Trad. Dirceu Magri.
  • Ressemantização que só pode ser conhecida pela história da circulação. 136
  • Transferencia não é transportar. É metaforfosear. 137
  • Transferencia cultural abarca os estudos de edição, tradução, bibliotecas e arquivos. 138
    • Um  transferência cultural  é,  às  vezes,  uma tradução.  Basta olhar uma  edição  de  um romance em uma língua qualquer e sua tradução em uma outra língua, observar o discursos deacompanhamento das quartas capas, as ilustrações, os formatos, o efeito do contexto das séries e até mesmo a tipografia, para ver que uma tradução não é de formaalguma umequivalente. Ela o é  menos ainda quandonão  se  declara  como  tal, mas  simplesmente  inspirada  por  um original, à maneira de alguns autores latinos, que se inspiraram nos originais gregos. Lucrécia não é certamente um equivalente para Demócrito. Tradução evidencia o fato de que os conceitos estão  enraizados  em  contextos  semânticos  equeo deslocamento do  contexto  semântico relacionado à tradução representa uma nova construção de sentido. Mas a tradução é também um objeto de pesquisa concernente à sociologia histórica ou àhistória do livro, as quais apoiam-se naturalmente empesquisas relacionadas àstransferências culturais. O estudo prosopográfico dos tradutores leva a pensar sobre os modos de aquisição daslínguas, sobre os critérios a partir dos quais opera-se a escolha doslivros a serem traduzidos. É importante analisar a estratégia daseditoras, seu modo de funcionamento, o eco encontrado pelas obras traduzidas. Datradução dasSeptante11às primeiras  traduções  de  Kant,  no  século  XIX, que  cruzaram  com  grande dificuldade  de abordagem  para  o  texto  em  alemão, ahermética  versão  latina  de  Friedrich GottliebBorn e a versão italianadeVincenzo Mantovani, a análise não linguística do fenômeno das traduções é uma das linhas da pesquisa sobreas transferências culturais. 145
  • Também não são polares, mas multilocus. 139
  • Não há essências, mas hibridações 139
  • "Em literatura,  o  foco  é  sobre  as  traduções  (que,  apesar  de  sua  presença  maciça  nas livrarias, ainda são consideradas como um elemento exterior, ligeiramente periférico); sobre as figuras  dearticulação  entre  as  tradições  literárias, sobre  os panteões estrangeiros que  cada cultura  constrói  ..., sobre osescritores usando uma línguaque não é a sua ...." 141
  • "A  percepção  que  as  culturas  literáriasnacionais,ou  maiores,  têm  umas  das  outras é determinada pelasciênciasdas áreas culturais próximas, por exemplo, a romanística alemã ou a  eslavística francesa.  Essas  ciências resultam  de um  compromisso  entre  o espaço  literário estudado e o horizontepróprio daquele que as observou." 142
  • "A pesquisasobre as transferênciasfaz parte das historiografias culturais transnacionais." 143

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