Cardozo, Oliveira, Rodrigues, Chesterman, Fitas.

- Cardozo (2008)
  • Parte do livro Literatura, Crítica, Cultura I (2008) organizado por Oliveira e Lage.
  • Cardozo inicia seu texto trazendo exemplos da história da tradução: o Sofócles de Hölderlin que desafiou a tradição filológica alemã da época, "seu texto traduzido colocava em questão a própria imagem que os alemães tinham dos gregos até então"; as "belles infidèles" de D'Ablancourt, tradutor que prezava pela clareza e pela beleza ao invés de tentar ser fiel ao texto;
  • Assim, existem tanto práticas assimiladoras quanto de abertura, embora ambas sejam apropriadoras. Isto leva a um paradoxo: 
    • [...] tanto uma prática de diluição do outro no contexto do próprio quanto uma prática que prima em destacar o outro em sua especificidade parecem, por um lado, não conseguir se eximir de uma certa violência com o outro, ao mesmo tempo em que por outro lado, representam movimentos produtivos para uma construção pautada pelo respeito do outro em sua alteridade.
  • Se a tradução é vista como mera substituição de palavras e transporte de mensagens e conteúdos por meio de elementos fixos. Nessa concepção a apropriação é indébita, portanto antiética e condenável.
  • Se a tradução é vista como a construção de uma relação com o outro, na qual "tomamos essa nossa imagem parcial pela totalidade do outro [...] nós nos apropriaremos do outro [...] de um outro que, enfim, não é senão a expressão mais remota de uma percepção que é nossa". Aqui a apropriação ocorre porque o outro é sempre inalcançável, ela "torna próprio o outro" não de modo dominador, mas de modo relacional que constrói um outro nosso. A alteridade é incomensurável.
  • O autor conclui:
    • Abre-se assim o espaço para um discurso fundado numa ética da relação, que abrigaria a identidade e a diferença não mais como ideais fundadores da relação [como ocorre com a ética da diferença], mas como atributos, valores possíveis do gesto relacional. Abre-se assim um espaço para uma ética promovida por um esforço de abertura ao outro enquanto outro, cujo primeiro movimento consistiria justamente no reconhecimento da condição de inalcançabilidade do outro e da consequente liminaridade de toda relação. (p. 189)
  • O autor fala sobre o francesismo brasileiro:
    • Basta lembrarmos o caso do Brasil, onde grande parte da recepção da literatura mundial até a década de 40 do século XX se daria centralmente pela mediação da língua francesa a partir de traduções diretas e indiretas desta. (p. 183)

- Oliveira (2008)
  • Parte do livro Literatura, Crítica, Cultura I (2008) organizado por Oliveira e Lage.
  • Oliveira discute a ética da tradução em períodos ditatoriais e diz que durante a ditadura brasileira, metade de todos os livros publicados eram traduções.
  • Sobre o francesimo brasileiro: "[...] na década de 40 do século passado que o inglês se firmou como a principal língua de tradução no Brasil, sobrepujando definitivamente a língua francesa que, desde sempre, mantivera tal posição".
  • Oliveira também define a ética da diferença:
    • Para Berman e Venuti, a tradução pautada na ética da diferença expõe, no âmbito do texto traduzido, a procedência do mesmo e, desse modo, incita os leitores a reconhecerem a alteridade desse texto e a estabelecerem um diálogo entre as tradições entrecruzadas nesse processo de intermediação linguística e cultural que constitui a tradução. A apologia desse tipo de ética reverbera concepções acerca do Outro, do estrangeiro, [...]. (p. 192)
  • Já a ética da igualdade "precisa se justificar nos espaços paratextuais da tradução, como prefácios, posfácios, notas de rodapé e glossários, e não na própria cena da reescritura, como se dá com a ética da diferença". 
  • A autora traz de Ribeiro (2004), uma "ética da responsabilidade" que se aplica àqueles que agem políticamente e seria equivalente a ética da diferença.
  • Segundo Berman, a tradução se torna antiética quando o tradutor mente.
  • Conclui:
    • O desafio imposto a todos os que atuam em sociedade, inclusive aos tradutores, é o de agirem criativamente, deixando que suas posturas revelem as estratégias de negociação de sua relação com o Outro, com aquele que se coloca como diferente, como estrangeiro. Essas estratégias, reconhecidamente, se alteram no tempo e no espaço, e, como consequência, as posições pessoais, que revelam o lugar que cada um decide ocupar na história, podem também mudar. Desse modo, "a decisão ética, a responsabilidade ética reinventada passa exatamente pela injunção de reavaliar cada situação singular em que a alteridade se apresenta enquanto tal. Aí onde não parece haver solução simples, aí onde as coisas se complicam e face do outro, é que é preciso tomar a decisão da melhor atitude, o gesto mais adequado e mais justo. E de maneira incondicional" (NASCIMENTO, 2006, p. 70-71), caso contrário não existirá qualquer coisa chamada de ética. (p.199)

- Rodrigues (2011)
  • Rodrigues estudou duas traduções do livro The Naturalist on the River Amazons de Henry Walter Bates. Busca entender se os tradutores se aproximam de uma ética da diferença ou de igualdade e as imagens construídas do naturalista.
  • Sobre o(s) original(is):
    • [...] publicado na Inglaterra em diferentes versões. A primeira foi editada em 1863, em dois volumes. A segunda, revisada pelo próprio Bates, foi publicada em 1864, em um único volume. No “Prefácio da segunda edição”, Bates afirma ter julgado “aconselhável condensar aqueles trechos que, tratando de questões científicas complexas, pressupõem um conhecimento mais preciso de História Natural do que o autor tem o direito de esperar da generalidade dos leitores” (BATES, 1944, p. 25). A narrativa e as “minúcias descritivas ... referentes ao grande rio em si, à maravilhosa região por ele percorrida, às luxuriantes florestas primitivas que a revestem quasi inteira” teriam sido deixadas completas (p. 25).2 Com seu relato, “a plena significação do título ‘o maior rio do mundo’, que todos aprendemos nos bancos escolares a aplicar ao Amazonas, sem ter uma ideia nítida de sua magnitude, se tornará então aparente para o público inglês” (p. 25). Essa segunda edição, de acordo com Mello-Leitão (1944, p. 10), foi a versão da obra que “obteve maior sucesso” e a que foi reeditada várias vezes.3 Outras edições foram produzidas depois da morte de Bates, retirandose tudo o que não interessasse diretamente ao leitor inglês. (p. 282)
  • As duas traduções estudas são: 1 ) O naturalista no Rio Amazonas traduzido pelo Prof. Dr. Candido de Mello-Leitão, 1944, Coleção Brasiliana, Companhia Editora Nacional; e 2) Um naturalista no Rio Amazonas traduzido por Regina Regis Junqueira, 1979, Coleção Reconquista do Brasil, EDUSP e Itatiaia.
  • Rodrigues informa:
    • São, portanto, dois projetos editoriais bastante diferentes. O da Coleção Brasiliana busca reunir todas as informações disponíveis sobre a obra, iniciandose pelo cuidado na escolha do texto de partida – o relato completo de Bates, sem os cortes direcionados a atender especificidades do leitor inglês. Notas de cunho histórico e biológico compõem o quadro de desejo de disponibilizar para os leitores o máximo de material de valor elucidativo sobre o Brasil, um dos objetivos da Coleção Brasiliana. O projeto da Coleção Reconquista do Brasil demonstra maior preocupação estética e direciona-se para evidenciar o cunho histórico e documental da obra. (p. 285)
  • No caso da edição de 1979, não existem paratextos do tradutor, mas no título de 1944 o tradutor é muito presente contando com prefácio e diversas notas próprias (inclusas às notas de Bates) que explicam, complementam, confirmam, atualizam ou corrigem o autor original.
  • Mello-Leitão se propõe a não retocar o texto, optando por uma ética da diferença, enquanto Junqueira modifica o texto para o leitor brasileiro (ética da igualdade). Entretanto, as coisas são diferentes na prática, "[...] em outros trechos observa-se a aderência de Junqueira a termos de Bates, não apagando seus modos de significar" enquanto que em Mello-Leitão podemos ver um movimento "no sentido de adaptar certas construções, especialmente em relação aos antropônimos [nomes próprios de pessoas]. [...] O tradutor tende, ainda, a adequar aos costumes brasileiros o tratamento que Bates dá a conterrâneos e companheiros de viagem". Mello-Leitão constrói um Bates com hábitos brasileiros, enquanto Junqueira mantém a formalidade utilizada pelo autor (Bates ainda marca quem são os habitantes da terra e quem são os ingleses, a partir da diferenciação de "Mr." e "Sr.").
  • Assim:
    • Percebe-se, pelo exposto acima, que não é conservar ou não os modos de significar de Bates que diferenciam as traduções, pois ambos os tradutores, em determinados momentos adotam uma ética da diferença e, em outros, uma ética da igualdade. Essa característica converge com a argumentação de Cardozo (2008), para quem tanto práticas assimiladoras, de apagamento do outro, quanto as fundadas na disposição de abertura ao outro, de apreender sua estrangeiridade, representam movimento produtivos, representam maneiras de construir o outro e de dele apropriar-se [...] A impossibilidade de se apreender realmente o outro e construí-lo de acordo com a percepção que o eu tem de si mesmo apontada por Cardozo expressa o que avalio ser a maior diferença entre as traduções examinadas. Nelas, as relações de identidade e diferença, de aproximação e distanciamento, conduzem à construção de duas diferentes imagens do viajante-naturalista. (p. 292)
  • O Bates de Mello-Leitão é um especialista sobre o local no qual está e mostra isso em sua descriçã, enquando na construção de Junqueira Bates é observador na natureza que por vezes coloca termos especializados em sua descrição, contribuindo para uma leitura mais fácil para o público leigo. Na primeira ainda há uma quantidade massiva de notas que interrompem a leitura.
  • Entretanto Mello-Leitão naturaliza Bates, fazendo uso de termos brasileiros em sua tradução (furos, igarapés, curuperês, montarias, igaritês e vigilengas) para termos como "creek", enquanto Junqueira mantém "riacho". Entretando, os termos tupiniquins não eram de uso comum por Bates, chegando a retirar muitos deles na segunda edição da obra.
  • Conclui:
    • Esse uso reiterado de termos próprios da região que Bates visita parece fazer parte da constituição da alteridade do outro, do estrangeiro, mas, ao mesmo tempo, é parte da constituição da identidade do próprio, do que é doméstico para o tradutor. Ainda que Mello-Leitão não explicite, em seu projeto tradutivo inicial, que desempenhará sua tarefa por esse caminho, em nota o faz sem dar, no entanto, a dimensão desse uso. O mesmo ocorre com o emprego de termos de especialidade – seu leitor apenas construirá a imagem do Naturalista que Mello-Leitão Naturalista lhe oferece. A linguagem escolhida por Mello-Leitão confere, à tradução, um toque de estrangeiridade. Nesse caso não por revelar a origem estrangeira do texto, não por tentar preservar a alteridade, mas por domesticá-lo, com o uso de termos regionais, e valorizá-lo, ressaltando o mérito do outro com o emprego de termos próprios às ciências naturais. Ao mesmo tempo em que essa tradução não faz concessões de fluência ao leitor, o que a caracterizaria como pautada por uma ética da diferença, ela é assimiladora, evidenciando que os limites entre uma ética da igualdade e uma ética da diferença não são tão nitidamente demarcáveis. Como se percebe também na tradução de Junqueira um movimento no sentido de fazer o texto fluir ao lado de uma aderência aos modos de significar de Bates, concluise que esses direcionamentos não são efetivamente excludentes, que uma das práticas não elimina a outra. Nesse sentido, nem uma nem outra seria uma prática condenável, ou privilegiada. Entretanto, como busquei evidenciar neste trabalho, os diferentes projetos seguidos pelos tradutores têm consequências e levam a diferentes resultados. Nesse caso, apoiados pelos projetos editoriais, resultam no direcionamento do leitor no sentido da construção de dois diferentes naturalistas viajando pela Amazônia brasileira. Como os títulos das traduções prenunciam, o Bates da Coleção Reconquista do Brasil é Um naturalista no Rio Amazonas, enquanto o da Coleção Brasiliana é O naturalista no Rio Amazonas. (p. 298)

  • Chesterman compartilha uma série de dicas sobre pesquisa nos translation studies:
    • Seja breve, até 60.000 palavras;
    • Não se extenda sobre assuntos familiares;
    • Introduções devem ser breves;
    • Não se apoie extensivamente sobre citações e não use-as como autoridade para suas opiniões;
    • Mantenha apenas referências relevantes;
    • A discussão deve se apoiar em "fatos", evite argumentos emotivos e não tome como garantido pontos que precisam ser comprovados;
    • Se você possui muito material não o inclua na tese, mas deixe-o disponível para quem se interessar;
    • Se sua tese é interdisciplinar, cuide para que os diversos pontos estejam corretos sob a ótica de todas as disciplinas.
  • Chesterman fala da importância que Karl Popper para ele quando era estudante, ao fornecer um modelo de filosofia da ciência. O autor esboça os pontos que considera importante em um programa de doutorado: Básico da história da ciência; Como distinguir ciência da pseudociência; As ciências naturais, sociais e humanas; Formas de argumento lógico; Categorização; Noções de hipótese, teoria, explicação, método e ideologia.

- Fitas (2015)
  • Texto para a revista Vértica, denominado "Algumas reflexões sobre 'Português, língua de Ciência'".
  • O autor explica que o inglês é lingua franca na ciência, em especial na física, porque as revistas internacionais só aceitam artigos em inglês, devido ao grande público que fala essa língua e os devido aos diversos painéis de financiamento internacionais.
  • O autor fala das peculidaridades da comunicação científica que é endógena (interpares) e entre pessoas de diversos países que preterem sua língua mãe para se comunicar em inglês. Se pretendemos expandir o público deve-se utilizar a língua do público em questão que deve ser capaz de criar, manter e atualizar vocabulários específicos para acompanhar a evolução da ciência.
  • Segundo Fitas:
    • Apoiar a produção científica em português não implica abandonar a língua franca, nem tão pouco substitui-la, implica apoiar o bilinguismo em parte da produção científica nacional e não desvalorizar a produção científica em português quando orientada para sectores que dela precisam para a sua aplicação eficiente [...]. (p. 92)
  • Ao constatar que a lígnua portuguesa é uma das que mais traduz e menos é traduzida para outros idiomas, Fitas clama por melhores indicadores bibliométricos para a ciência nesta língua e que "a língua que falamos [português] se assuma como um veículo de referência cultural que permite estabelecer pontes e entendimentos com as outras línguas, sobretudo aquelas de mais franca utilização". Além disso, Fitas acredita que a publicação por autores portugueses de obras sobre diversos conteúdos ao redor do mundo fortaleceria a língua no âmbito da comunicação científica que deverão:
    • Possuir introduções sobre a obra e autor;
    • Inclusão de índice onomástico em obras originais, ainda raros em obras portugueses;
    • Inclusão de referências traduzidas, quando possível, em conjunto com a referência original consultada;
    • Uso de manuais de estilo;
  • O autor afirma:
    • Em física, por exemplo, o livro não é hoje normalmente usado como instrumento para a publicação de resultados de investigação, mas assume um papel fundamental como repositório de referencia ou como obra de ensino e de divulgação, ao contrário do que acontece nas humanidades e em muitas ciências sociais, em que o livro continua a ser fundamental como o resultado de investigação inovadora. (p. 98)

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