Machado, Fonseca, Pereira.

- Machado (2010)
  • Capítulo 2 da tese de doutorado de Machado, p. 24 - 69.
  • A virada historiográfica dos Estudos da Tradução tem foco tripo: nos tradutores, nas práticas tradutórias e nas teorias da tradução.
  • Machado comenta a situação histórica da profissionalização do tradutor:
    • Hoje em dia, o cenário mais comum é que o tradutor seja um especialista em tradução, e não necessariamente no assunto traduzido, sem nenhum vínculo com a comunidade científica para a qual está fazendo suas traduções. Não se trata aqui de uma crítica à profissionalização da atividade tradutória, apenas a constatação de que, ao não fazer parte da comunidade científica, o principal compromisso desse tradutor será com quem o contrata, normalmente uma editora, que, por sua vez, buscará sobretudo a melhor relação custo-benefício. É claro que na Idade Média e na Renascença também havia a figura do patrocinador, ou seja, havia também outros interesses envolvidos na prática tradutória, mas, para atendê-los, a transmissão dos saberes gregos era urgente e estratégica, e ela era feita pelos próprios estudiosos, muitas vezes por sua conta e risco. Portanto a reflexão sobre essa situação, sobre o papel da tradução na história e, mais especificamente, sobre as condições em que as traduções eram feitas, definidas pelas relações de poder estabelecidas em cada contexto, pode ser mais um elemento para esclarecer melhor o que se entende por tradução hoje, incluindo-se aí o seu papel político. (p. 31)
  • A autora coloca foco nos objetos da ciência, uma abordagem característica dos Science Studies, apoiando-se em Daston. Assim o livro científico é visto como um objeto científico colocado em um tempo/espaço dinâmico. Desse modo, a escrita, reescrita ou tradução de um texto "não se tece de maneira asséptica, ela é perpassada pelos sentidos que a rodeiam". Assim, fica óbvio que a tradução impacta a forma como a obra é recebida.
  • Machado sumariza o Programa Forte da Sociologia da Ciência que possuia quatro princípios: 
    • Causalidade: Preocupa-se com as condições que ocasionam a ciência;
    • Imparcialidade: Não emitir juízo de valor;
    • Simetria: Verdade e erro podem ser explicadas de maneira irracional igualmente;
    • Reflexividade: O que vale para a ciência deve valer para a sociologia da ciência;
  • Ainda era determinada pela exigência da sociologia ser científica, o sucesso de explicações sociológicas para histórias antigas e respostas a questões como a subdeterminação e a incomensurabilidade por meio de fatores sociais.
  • Sobre o surgimento dos Science Studies a autora comenta que pretende reunir aspectos da filosofia, história e sociologia da ciência. Os science studies não se preocupam com questões de demarcação, tentam eliminar dicotomias e enfatizam o objeto científico como portador de uma história e efemeridade próprias. Em outras palavras, os SS focam a prática da ciência e suas relações sociais ao invés de filosofias metodológicas prescritivas.
  • Na teoria dos polissistemas e nos estudos descritivos da tradução (DTS) o pressuposto teórico é considerar a literatura traduzida como um polissistema inserido em outros polissistemas que compõe a cultura das línguas em questão, portanto submissa a trocas inter e intrassistêmicas. A tensão destas trocas seria responsável pela evolução e preservação do polissistema, uma vez que sem essas trocas uma vertente poderia se cristalizar e se tornar dominante, formando um cânone, levando a uma homogeneização geral que, por sua vez, leva a improdutividade. Um problema desta teoria é a dificuldade de explicar mudanças devido a dificuldade de identificar as tensões internas. Outro problema é a definição algo confusa de "cultura".
  • Machado resume:
    • Segundo Even-Zohar, a força de um polissistema é justamente a interdependência entre processos e produtos, o que implica processos de intervenção nos produtos (seleção, manipulação, amplificação, remoção e outros) de acordo com as coerções que atuam no polissistema, que são legitimadas pelos grupos dominantes e que vivem em constante tensão com o que é rejeitado por esse grupo. Por isso, caso só se trabalhe com produtos canônicos, ou seja, aqueles que os grupos dominantes aceitam como legítimos por seguirem as normas e modelos em vigor, essa conexão será invisível, já que as tensões e coerções não poderão ser detectadas. (p. 48)
    • A reescrita, como já foi mencionado antes, é um tipo de manipulação textual influenciada por fatores poético-ideológicos que podem ter a forma de motivações ou coerções do sistema. Trata-se de uma produção do polissistema literário, que se articula a outros sistemas ou polissistemas (religioso, científico, político), sendo capaz de influenciar a canonização ou não de certas obras. O reescritor pode adotar uma posição conservadora e se acomodar, repetindo os padrões do sistema, ou reagir a ele, tentando afastar-se de suas normas. (p. 50)
  • Nesse sentido, o cânone científico é definido por um consenso de especialistas de determinada área.
  • Toury estabeleceu algumas normas de tradução: a seleção de textos e estratégias globais (normas preliminares); decisões quanto à adequação e aceitabilidade em função do lugar que a tradução deverá ocupar no sistema-alvo (normas iniciais) e decisões propriamente tradutórias (normas operacionais). Segundo Martins, uma tradução adequada reproduz as normas do texto fonte, enquanto uma tradução aceitável assume as regras do polissistema-alvo, o tradutor também pode combinar ambas.
  • Machado alerta que tanto Even-Zohar quanto Toury acreditam que o fato e o valor podem ser claramente separados "constituindo uma noção de neutralidade da observação que dificilmente se sustenta, principalmente a luz dos Science Studies".
  • Para Lefevere, os profissionais e a patronagem constituem mecanismos de controle dentro de um sistema, "os profissionais controlam o sistema literário de acordo com os parâmetros definidos pela patronagem".
  • Venuti propõe trazer as questões da tradução para a filosofia, que ao tratar a tradução como invisível assume um critério de correspondência, ou seja, ignora o resíduo de tradução, a diferença produzida ao longo do processo. Duas éticas são propostas, a ética da igualdade (na qual o tradutor é invisível e ressalta-se as características do texto fonte) e a ética da diferença (que ressalta os aspectos estrangeiros do texto). Assim:
    • Devido à usual invisibilidade, pautada na ética da igualdade, na equivalência doméstica para conceitos estrangeiros, tanto na filosofia quanto na ciência, facilmente se recai num discurso de autoridade, e consequentemente num dogmatismo, quando é adotado o critério de correspondência entre original e tradução, ignorando todo um processo complexo pelo qual o texto passou. Isso leva ao idealismo filosófico, que negligencia a tradução para não expor suas próprias mazelas metafísicas. (p. 53)
  • Finalmente chegamos a estrutura delineada pela autora para a tradução científica.


  • Primeiramente temos a tradução automática e o estudo de suas ferramentas (viés linguístico-computacional) e seus efeitos mais abrangentes (viés filosófico). Em seguida, temos a ciência traduzida que se subdvide em literatura científica traduzida (interlinguística), divulgação científica (intralinguística, pois simplifica o texto para outro público da mesma língua) e a própria prática da ciência que produz conceitos a partir de um mundo abstrato na mente do cientista (portanto uma tradução intersemiótica).
  • Uma versão dessa seção do doutorado foi publicada sem grandes alterações, em conjunto com uma explicação de como ocorreu a tradução do Tetrabiblos, como um capítulo (p. 237-256) do livro Vozes da Tradução: Éticas de Traduzir (2014), organizado por Lenita Esteves e Viviane Veras.

- Fonseca (2005)
  • Seções da tese de doutorado de Fonseca, p. 108-115; 130-132.
  • As traduções portuguesas de trabalhos de Darwin
    • Darwin se preocupava com a tradução de seus trabalhos, como pode ser atestado pelas cartas;
    • Tabelas interessantes de Fonseca:

    •  A Origem das Espécies foi traduzida para 11 idiomas até a morte do autor, e para mais 33 até 2009.
    • As traduções portuguesas de Darwin só tem início no século XX, começando pela Descendência do Homem (embora sem a seção sobre seleção sexual). A Origem só viria a ser traduzida em 1913.
    • A tradução para o portugues foi tardia, mas isso não impediu o contato dos pesquisadores lusitanos com a obra, seja por meio do inglês original ou por traduções francesas. Fonseca explica:
      • O estudo bibliométrico sobre trabalhos da autoria de Darwin em Portugal, que iniciámos no âmbito da nossa investigação, tem vindo a confirmar a existência de edições originais inglesas de trabalhos da autoria do naturalista inglês em bibliotecas públicas portuguesas nos séculos XIX e XX. Além disso, ao longo do século XIX, grande parte da literatura estrangeira chegava a Portugal através de traduções francesas, uma prática que Eça de Queirós (1845-1900) apelidou de “francesismo”. Como mostrou Ana Leonor Pereira, os leitores portugueses tiveram acesso às primeiras traduções francesas de A origem das espécies (de 1862) e A descendência do homem (de 1872). De resto, o nosso estudo bibliométrico tem vindo a confirmar a presença de um grande número de traduções francesas de trabalhos da autoria de Darwin em bibliotecas públicas portuguesas durante os séculos XIX e XX. Por fim, como sublinhou Ana Leonor Pereira, alguns autores incluíram excertos de trabalhos de Darwin nas suas próprias publicações. (p. 110)
    • Fonseca corrige alguns erros cometidos por Freeman:
      • Com efeito, estão em falta do seu trabalho as seguintes traduções portuguesas: A origem do homem. A selecção natural e a sexual. Traducção de Oldemiro Cesar [jornalista, tradutor]. Porto: J. Ferreira dos Santos- Editor, 1910, 2 vols.; A origem do homem. Traducção synthetisada de João Corrêa d’ Oliveira [jornalista e tradutor]. Porto: Magalhães & Moniz-Editores, [1910?], 262 p. (Bibliotheca de educação intellectual, 5); e A origem do homem e a selecção sexual. Tradução de Attílio Cancian e Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo: Hemus, 1974, 712 p.: il. Além disso, uma das traduções identificadas no seu trabalho surge com o ano de publicação errado: Origem das espécies. Tradução de Joaquim Dá Mesquita Paúl [médico e professor]. Porto: Livraria Chardron, [1913], xv + 477 p.: il. Com efeito, esta tradução foi publicada em 1913 e não durante a década de 1920. (p. 111)
    • O autor conclui:
      • Resumindo: a tradução de A origem das espécies e de outros trabalhos da autoria de Darwin para a Língua Portuguesa foi tardia. No entanto, os leitores portugueses não deixaram de ter acesso aos seus trabalhos e às suas ideias, fosse através de edições originais inglesas, de traduções em outras línguas (sobretudo em Língua Francesa), ou de passagens dos seus  trabalhos (traduzidos para a Língua Portuguesa) incluídos em publicações de autores portugueses. Nas décadas iniciais do século XX, iniciou-se a tradução dos trabalhos principais do naturalista inglês para a Língua Portuguesa, com as traduções de A descendência do homem (1910) e de A origem das espécies (1913). Desde então, outros dos trabalhos principais de Darwin têm vindo a ser vertidos para a nossa língua. (p. 111).
  • Estudo bibliométrico de Darwin em Portugal
    • Fonseca busca "assegurar que a realidade portuguesa não continue a ser negligenciada no processo de atualização da base de dados de trabalhos da autoria de Darwin que se encontra em curso: o Freeman Bibliographical Database".
    • Os resultados desta pesquisa em bibliotecas públicas portuguesas atestam para um grande número de traduções de Darwin, principalmente francesas, a partir do século XX e que o surgimento das primeiras traduções portuguesas não afeteram o influxo de títulos originais e traduções de outras línguas. 
  • O tradutor é um divulgador
    • Seção focada na obra de Júlio A. Henriques.
    • Tradutor de diversos textos de naturalistas, também prestou homenagem a diversas figuras em obituários e artigos.

  • A recepção de Darwin em Portugal (1865-1914).
  • A autora inicia falando que na época do debate evolutivo, a ciência portuguesa se encontrava em um estágio descritivo ou indutivo e se apoiva largamente nos fixistas Lineu e Cuvier, estando "as margens dos problemas genealógicos (origens, afinidades, descendencia, etc.) do código evolutivo".
  • Portugueses notáveis no darwinismo:
    • Júlio Augusto Henriques: Aplicou a teoria da seleção natural a seres humanos em 1866, cinco anos antes de Descent of Man;
    • Francisco de Arruda Furtado: Correspondente de Darwin (clique aqui para ver suas cartas no DCP);
    • Luís Wittnich Carisso: Manuscrito com influência darwinista de 1910;
    • Bernardo Aires: Compendium de 1911;
    • Armando Cortesão: Estudo de 1913;
    • Pereira da Costa, Nero Delgado, Carlos Ribeiro, Bernardino Machado: Grandes antropólogos portugueses;
    • Meireles Garrido: Tese (1878);
    • Silva Basto: Tese (1897).
    • Teófilo de Braga: Pioneiro Darwinista em Portugal;
    • Oliveira Martins: Pioneiro Darwinista em Portugal;
  • Sobre o francesismo português:
    • The fact that Darwin's work from 1871 was translated before the fundamental work from 1859 is significant. The translation of the former was published in 1910 and the translation of the latter in 1913. Late undoubtedly, but we must not forget the Portuguese 'Frenchism' of that time. There were French translations of the 1859 and 1871's work available since 1862 and 1872, respectively. (p. 649-650)





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